Jornal Estado de Minas

Abrigo para cães e gatos deixa vizinhos insatifeitos por causa de sujeira e barulho

Mulher acolhe mais de 80 animais resgatados do abandono, mas tem dificuldades em mantê-los em boas condições. Medo de doença também deixa moradores preocupados

João Henrique do Vale

Na disputa por espaço, os animais ocupam até a laje do imóvel da Rua Bebedouro - Foto: Fotos: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press


Ao passar pela Rua Bebedouro, no Bairro São Geraldo, na Região Leste de Belo Horizonte, uma cena chama a atenção. Cães e gatos na sacada de uma residência olhando o movimento na via. No imóvel, vivem mais de 80 animais, que vêm tirando o sono dos vizinhos. O mau cheiro e os latidos dos cachorros são os principais motivos de reclamações. Dentro da casa, os pets vivem em meio à sujeira e a rações, que são colocadas no chão tomado de papelão, jornal, urina e fezes. A dona afirma que há 23 anos acolhe os bichos abandonados na rua, mas não tem condições de cuidar de todos. Infectologistas alertam para o risco de contaminação por leishmaniose.

Veja as imagens dos cães e gatos

Na rua , todos conhecem Célia Evangelista dos Santos Moreira, de 56 anos, famosa por causa dos animais. Ela hospeda dezenas de cachorros e gatos que recolhe do abandono.
“Os bichos, para mim, são iguais a gente. Comecei a criá-los há mais de 23 anos quando. Eles foram abandonados na minha porta. Começou com um cachorro e depois passei a pegar os animais na rua”, diz. A intenção da mulher é até vista com bons olhos. Porém, a situação saiu do controle. Ela vive na casa, que tem três quartos e dois barracões no porão, na companhia dos cães e gatos. O imóvel está envolto pela sujeira causada pelos dejetos dos animais e por papelões, jornais e outros papéis que a moradora põe no chão. As rações, doadas por vizinhos, são colocadas em vasilhas, no chão e em móveis espalhados pela casa. A comida para gatos e cachorros é misturada. Não há diferenciação.

A socióloga Marília Maria de Andrade, de 58, ajuda Célia há mais de um ano e tenta amenizar a situação degradante dos animais. “Quando entrei na casa a primeira vez, havia mais ou menos 50 gatos doentes e uns 30 cachorros na laje. Chamei um veterinário e conseguimos tratamento para eles.
As fêmeas foram castradas e alguns animais morreram de desnutrição. Eles viviam em meio a comida azeda e mofada.”

Assista ao vídeo que mostra a situação da casa:



Marília achava que a situação estava sob controle com a castração, mas ao voltar à casa teve uma surpresa. “Quando entrei já tinham outros 19 filhotes. Virou caso de saúde pública”, comentou a socióloga. Segundo ela, os animais chegavam a comer carne estragada e a atacar uns aos outros na falta de alimento. “As gatas tinham filhotes e os cães acabavam comendo as ninhadas. Também houve situação em que os cachorros atacaram outros até a morte.” A dona dos bichos confirmou as agressões.

CHEIRO FORTE Célia abriu as portas da casa para mostrar como vivem os animais. Logo na entrada, no fim de uma escadaria que leva ao porão, uma cadela, um pouco desconfiada, amamentava sete filhotes. O cheiro forte de urina e fezes pode ser sentido da rua. Dentro do imóvel, vários animais andam tranquilamente, mas a calma termina quando a dona chega e é recebida com uivos e latidos.
Em uma garagem se concentra o maior número de bichos, que andam de um lado para o outro em meio à sujeira e sob de uma estrutura que parece condenada.

Ao lado da casa há uma fábrica de biscoitos e uma mulher que faz salgados para vender. Os funcionários contam que perderam clientes por causa do mau cheiro. “Há 13 anos moro aqui e é isso o dia inteiro. Hoje, a situação está até tranquila. O fedor é insuportável e ainda não há como dormir à noite. Algumas pessoas acham que é da minha casa e deixam de comprar os salgados”, afirma uma vizinha, que preferiu o anonimato. “O mau cheiro é forte. A dona da casa aluga os barracões, mas os inquilinos não ficam por causa do fedor”, diz Sebastião Oliveira, morador do bairro há 49 anos.

Célia não quer se desfazer dos seus “melhores amigos”. Mas, apontou soluções. “Alguém poderia doar um terreno, uma fazenda onde eu possa cuidar deles. Até aceito doar alguns, mas outros não porque se acostumaram comigo.”

Restos de móveis e papelões entopem os já apertados corredores - Foto:
VIZINHOS
A presença dos cães e gatos podem trazer riscos à saúde dos vizinhos. A preocupação principal é com a leishmaniose. “No geral, o risco maior na região metropolitana é leishmaniose, uma doença endêmica. Se osanimais não passam por controle veterinário regular, o risco para os vizinhos é a doença”, explica o médico Carlos Starling, da diretoria da Sociedade Mineira de Infectados.

A Secretaria Municipal de Saúde informou que já recebeu várias denúncias sobre pessoas que acumulam animais dentro de casa no bairro. Mas, não soube dizer se alguma das notificações é sobre os cães de Célia.

Em um dos cômodos, filhotes de cachorro convivem com gatos em meio à sujeira - Foto:

 

 

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