“Não quero mais trabalhar neste lugar. Se continuar, vocês irão ao meu enterro.” A frase proferida pelo operador de retroescavadeira Adilson Aparecido Batista, de 44 anos, desaparecido nessa quarta-feira depois do rompimento da barragem de rejeitos da mineradora Herculano, que matou outros dois operários em Itabirito, soa como a premonição de um desastre anunciado. O trabalhador relatou seu temor a um supervisor de serviços na véspera do acidente, segundo o irmão da vítima, Valtenil Geraldo Batista, motorista, de 41. Adilson já falara em casa, inclusive, sobre “o constante vazamento de água” no dique B1, que estourou ontem lançando uma avalanche de rejeitos e lama que arrastou três caminhões, duas retroescavadeiras e um carro e espalhou danos ambientais pelo caminho. A empresa, que opera desde 1963, coleciona autuações dos Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e Ministério Público do Trabalho (MPT) por falta de segurança em suas instalações, além de multas por devastação ambiental lavradas pela Fundação Estadual de Meio Ambiente (Feam). Depois do desastre, as atividades da empresa foram suspensas pelo Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM).
A onda formada pelos rejeitos da Mina Retiro do Sapecado, na cidade localizada a 55 quilômetros de Belo Horizonte, deixou ainda um operário ferido. Dois trabalhadores conseguiram escapar e relataram a socorristas momentos de pânico. Muitos tentaram salvar os colegas usando as próprias mãos para escavar, sem sucesso. O acidente ocorreu por volta das 7h30 quando, segundo o Corpo de Bombeiros, equipes trabalhavam na manutenção da barragem. O resgate – considerado de alto risco, por causa da instabilidade do terreno – durou cerca de 11 horas até ser suspenso, na noite de ontem.
Dois corpos foram retirados da lama. O topógrafo Reinaldo da Costa Melo, de 68 anos, funcionário de uma empresa terceirizada, fazia medições próximo à barragem quando foi atingido. Ele foi achado morto, sobre a lama. Cristiano Fernandes da Silva, de 32, que dirigia um caminhão, foi encontrado sem vida na cabine do veículo parcialmente soterrado. Adilson, que operava a retroescavadeira, não foi localizado. “A cabine do veículo estava vazia, o que sugere que ele possa ter pulado ao perceber o rompimento da barragem. Vamos continuar os trabalho de buscas até encontrá-lo”, afirmou o tenente-coronel André Gerken, do Comando de Operacional dos Bombeiros, à frente da operação no local.
O rompimento ocorreu na barragem B1, que passava por obras de manutenção no momento do acidente. Apesar do histórico de infrações, a situação ambiental da mina era considerada legal, com a última vistoria da Feam realizada em agosto. A empresa também tem relatório, de 2013, que atestava estabilidade da barragem. A perícia técnica para descobrir o que pode ter ocorrido foi iniciada, mas especialistas apontam que a intervenção que estava sendo feita, obras de ampliação recentes ou a falta de manutenção podem ter causado a tragédia.
O vice-presidente do Instituto Brasileiro de Avaliações e Perícias de Engenharia de Minas Gerais (Ibape-MG), Clémenceau Chiabi Saliba Júnior, afirma que uma barragem não se rompe de uma hora para outra, sem a interferência de um fator externo. “A estrutura avisa. Estala, trinca, exibe infiltrações, abatimento de solo. Então, se isso ocorreu e não foi visto, pode ter sido a causa do rompimento, mas não acredito, porque as vistorias foram recentes”, avalia.
PROBLEMAS TRABALHISTAS
Desde 2001 a Mineração Herculano, sediada em Itaúna, no Centro-Oeste mineiro, apresentou sete autuações ambientais que renderam multas de fiscais da Feam. Quatro dessas infrações são consideradas “graves” pela legislação ambiental, sendo duas por “emitir ou lançar efluentes líquidos, gasosos ou resíduos sólidos, causadores de degradação ambiental” e as demais por “contribuir para que um corpo d’água fique em categoria de qualidade inferior à prevista em classificação oficial”.
A segurança dos trabalhadores também era ameaçada por falhas estruturais que os auditores do Ministério Público do Trabalho e do Ministério do Trabalho e Emprego consideraram gravíssimas. No relatório gerado na última inspeção, realizada em junho, foram 28 autos de infração lavrados. Na vistoria constatou-se que faltava monitoramento adequado dos taludes (paredões) e bancadas (degraus) da mina de minério de ferro. A inspeção verificou ainda não haver um engenheiro de minas responsável que fosse empregado da empresa, o que é exigido por lei.
As condições de trabalho também geraram diversas autuações, por não haver Programa de Gerenciamento de Riscos, monitoramento da exposição dos trabalhadores a poeira ou proteções das partes móveis de máquinas e equipamentos, além de várias outras infrações relativas às áreas de convivência e conforto dos empregados, como falta ou inadequação de banheiro, vestiário ou chuveiros. O ambiente de trabalho, segundo a avaliação dos fiscais, também submetia funcionários a condições extenuantes, favorecendo erros que comprometem a segurança. Entre essas irregularidades o relatório cita a prorrogação da jornada de trabalho além do permitido, falta de descanso mínimo e descontrole de jornada dos profissionais que compõe o Serviço Especializado em Engenharia de Segurança e em Medicina do Trabalho.
A empresa também foi notificada a regularizar problemas detectados pela fiscalização trabalhista, como adequar a sinalização das vias internas da mina e elaborar projetos das instalações elétricas e prediais. Os autos de infração ainda não geraram um processo. Só após a defesa da empresa eles podem gerar multas.
Cronologia de uma tragédia
Como ocorreu o acidente e o passo a passo do resgate
7h30 Seis operários trabalhavam na manutenção da barragem de contenção de resíduos B1 da Mina Retiro do Sapecado, da Herculano Mineração, em Itabirito, quando o talude da barragem se rompeu e uma onda de lama e rejeitos de minério varreu o que havia pela frente. Dois trabalhadores conseguiram escapar sem ferimentos e um foi socorrido com fratura exposta na perna. Três funcionários foram atingidos. Dois morreram e um desapareceu.
8h Militares do Corpo de Bombeiros começaram o resgate. A instabilidade do terreno e a possibilidade de novas movimentações de terra dificultavam o trabalho.
11h O primeiro corpo, o do topógrafo Reinaldo da Costa Melo, de 68 anos, foi encontrado sobre a lama. Ele foi removido de helicóptero.
15h30 A segunda vítima foi localizada. O operário Cristiano Fernandes Silva, de 32, foi achado morto dentro de um caminhão parcialmente enterrado. O corpo também foi retirado de helicóptero.
19h Equipes de bombeiros encerraram as buscas, que devem ser retomadas hoje pela manhã. Uma guarnição de militares passou a noite no local.
Imagem da barragem