Jornal Estado de Minas

Engenheiro haitiano vira servente para trabalhar em Esmeraldas

Imigrantes haitianos, mesmo com diploma superior, aceitam empregos modestos no Brasil. Apesar de elogios de empregadores, problemas de adaptação e ritmo de trabalho são entraves

Jorge Macedo - especial para o EM
Wisten Dieurilus é um dos estrangeiros contratados por mestre de obras, que diz já ter empregado caribenhos com curso superior - Foto: Jair Amaral/EM/D.A.Press

No ambiente de trabalho dos haitianos o que não faltam são os elogios dos patrões, mas há também críticas. O mestre de obras João Alves, de 45 anos, emprega 50 caribenhos em uma obra do programa Minha casa, minha vida, no Bairro Floresta Encantada, em Esmeraldas, e só fala bem dos estrangeiros. “São excelentes trabalhadores”, considera. Ele conta que já teve ajudantes de pedreiro haitianos com curso superior em engenharia civil e química, que, apesar do diploma, não sabiam o serviço de pedreiro e aceitavam o de serventes.

O mestre de obras conta que tem amigos brasileiros que são pedreiros e ajudantes, mas que dá oportunidade de trabalho aos haitianos para ajudá-los. “Se não ajudar, eles passam fome e fazem coisas erradas. Eles não sabem falar português e são muito explorados no mercado aí fora”, diz João, que admite não assinar a carteira de trabalho dos imigrantes, que são contratados por empreitada. “Pago por etapa. Levantam tantas paredes e pago R$ 1,3 mil”, explica ele, que conta ter perdido recentemente dois professores em sua obra.
É comum que construtoras de São Paulo os busquem para trabalhar no estado vizinho.

O haitiano Wisten Dieurilus, de 22, trabalha com João Alves. O estrangeiro, que levanta paredes ao lado de conterrâneos como Pierre Angust e Evenons Oreclus, está no Brasil há sete meses. Sua mulher chegou há poucos dias. Formada em contabilidade, ela está disposta a aceitar qualquer emprego, conta Winsten. Mulheres têm mais dificuldade em encontrar trabalho, pois são oferecidos serviços domésticos e muitas não falam português. Segundo o pesquisador Duval Fernandes, o número de haitianas no Brasil ainda é pequeno. “As ocupações que elas buscam exigem contato com o público e o aprendizado do idioma é uma barreira”, explica o professor.

PRODUTIVIDADE MENOR Os homens encontram mercado mais facilmente, mas nem tudo são flores no relacionamento com os brasileiros. O gerente de logística Marcílio de Moura tem mais críticas do que elogios aos seus funcionários haitianos. “Já empreguei 49 e estou só com 35. São menos produtivos. Um brasileiro lento faz três vezes mais do que um haitiano. Temos muita dor de cabeça com eles”, reclama. Segundo ele, os estrangeiros deixam de trabalhar para renovar visto e não resolvem nada sozinhos.
A empresa, segundo ele, contratou um intérprete para ensiná-los português, acompanhá-los ao banco e ao hospital. “Também passam muito mal com a comida brasileira. Não se esforçam para falar português e fazem o serviço do jeito que querem”, queixa-se.

Segundo Marcílio, apesar disso, em sua empresa os caribenhos recebem o mesmo salário que os brasileiros, de R$ 1,1 mil, e todos os benefícios previstos em lei. Mesmo reclamando, o gerente não abre mão dos estrangeiros, mais decidiu contratar grupos de no máximo cinco para adaptá-los melhor ao sistema de trabalho brasileiro. Entre os 35 trabalhadores, há cinco mulheres. “Temos que encaminhar as gestantes ao médico e temos dificuldade de conseguir escolas públicas para as crianças, principalmente em creches para bebês de até oito meses”, disse o intérprete Daniel. Segundo Marcílio, crianças haitianas sofrem discriminação nas escolas pela cor da pele e por não falar português.

Segundo o professor Duval Fernandes, a pesquisa “Migração haitiana para o Brasil”, da Organização Internacional para as Migrações (OIM), revelou que a igualdade de direitos trabalhistas não é a tônica para os haitianos. “Há empresários inescrupulosos que tentam se aproveitar da situação: não assinam carteira de trabalho e pagam salários menores do que aos brasileiros”, afirma.
Ele conta que, durante a pesquisa, conversou com um empresário da limpeza pública de Porto Velho (RO), que tinha 30% dos empregados caribenhos, mas tinha a intenção de chegar a 100%. “Disse que os haitianos não causavam problemas e que as reclamações da população em relação à atitude dos lixeiros havia caído enormemente. Havia apenas um problema: enquanto um brasileiro pegava 10 sacolas de lixo e deixava três pelo meio do caminho, o haitiano pegava uma por uma, mas não ficava nada para trás. Realmente, eles não têm o mesmo ritmo de trabalho do brasileiro”, admite o pesquisador.

Construção absorve os que chegam

Com o aquecimento do setor da construção civil em Esmeraldas, os haitianos terão emprego garantido por muito tempo ainda. De acordo com o secretário municipal de Obras do município, Sílvio Lúcio Santos, mil lotes receberam moradias populares nos últimos três anos no Bairro São Pedro e ainda faltam 1,8 mil terrenos na região para construir. Ainda há 1,8 mil lotes no Bairro São Pedro 2 e bairros vizinhos estão em expansão, segundo ele. “São mais mil lotes no Bairro Floresta Encantada. O Recanto do Eldorado tem loteamento aprovado desde 1982 e está pronto para receber mais moradias”, disse o secretário.

 Em quatro anos, Esmeraldas ganhou mais 5.966 moradores, segundo o IBGE. A população, que é estimada em 66,2 mil, distribuídos em 910 quilômetros quadrados, já pode ter ultrapassado os 80 mil, segundo o prefeito Glacialdo de Souza (PT). “É o município que mais cresce na região metropolitana. Muita gente está vindo de Contagem e Ribeirão das Neves morar aqui, sem falar dos haitianos, que são muitos”, disse Glacialdo. Nos três postos de saúde dos bairros São Pedro, Santa Cecília e São Francisco são 100 famílias haitianas atendidas, segundo a coordenadora de Atenção Primária à Saúde da cidade, Ricarda Maria Barbosa Santos.

Para o prefeito, a presença dos haitianos não afeta o mercado de trabalho. Segundo ele, os estrangeiros são esforçados, dóceis, educados e buscam auxílio espiritual nas igrejas evangélicas e católicas, mas ele se diz preocupado com a exploração deles no trabalho e até defende uma fiscalização por parte do Ministério Público. As escolas do programa Educação de Jovens e Adultos (EJA) estão abertas para os imigrantes, disse o prefeito..