A vida não estava nada fácil para Nancia Vernet, de 29 anos. A técnica agrícola trabalhava com os pais e quatro irmãos na lavoura, em terreno arrendado, a duas horas de Porto Príncipe, capital e maior cidade do Haiti. Plantavam arroz, feijão, banana, batata e pimenta. Quase cinco anos depois do terremoto de magnitude 7 que sacudiu o pequeno país do Caribe e matou 200 mil pessoas, em 2010, a vida não dava sinal de melhorar. Pelo contrário: piorou quando o namorado, Woody Pier Louís, de 35, assim como milhares de outros haitianos, partiu para terras brasileiras em busca de vida nova. A saudade apertou. Nancia decidiu: “Também vou para o Brasil”.
Nancia e Woody partiram para fazer parte de um população de 43 mil haitianos espalhados por 267 municípios brasileiros, segundo a pesquisa “Migração Haitiana para o Brasil”, da Organização Internacional para as Migrações (OIM), que estima 50 mil pessoas dessa nacionalidade em solo brasileiro até dezembro. Os pais de Nancia bancaram os US$ 220 do visto e US$ 1.176 das passagens de avião. Há sete meses ela desembarcou no Aeroporto Internacional Tancredo Neves, em Confins, Região Metropolitana de BH.
Hoje, a ex-agricultora trabalha em uma distribuidora de alimentos e divide um barracão com o namorado e um primo em Contagem, na Grande BH. Há três meses ela tomou outra decisão. “Não volto mais para o Haiti, só a passeio. Quero criar minha família aqui”, diz a moça de cabelos trançados, simpática e sorridente, que já domina o português e anuncia a boa- nova: “Estou grávida de três meses. É um brasileirinho”.
No fim do ano passado, eram 21,4 mil haitianos no Brasil, segundo o Ministério da Justiça. O número de naturais do país caribenho que chegam por ano aumentou de 459, em 2010, para 13,6 mil em 2013. A pesquisa da OIM mostra que 40 imigrantes do Haiti entram por dia no país pela fronteira do Acre. “Nos últimos meses eles têm imigrado com visto em caráter humanitário emitido pela Embaixada do Brasil em Porto Príncipe”, informou a Polícia Federal, que somente pelo aeroporto de Confins registrou a chegada de 141 haitianos no ano passado.
O ano de 2014 ainda nem acabou e o aumento já é de de 261% (509). Na Grande BH, a estimativa é de 3 mil imigrantes morando entre Contagem, Ribeirão das Neves e Esmeraldas. Somente no Bairro São Pedro, nessa última cidade, são mais de 300. “É praticamente impossível saber ao certo quantos haitianos vivem em Minas, pois a mobilidade deles é muito grande”, conclui o coordenador da pesquisa, Duval Fernandes, do Programa de Pós-graduação em Geografia da PUC Minas.
O estudo mostra que os primeiros haitianos chegaram a Minas em 2008, trazidos por um pastor evangélico que esteve em missão em Manaus e os encontrou em situação precária. “O religioso conseguiu emprego para eles na Grande BH, na construção civil e na indústria. A partir daí, não pararam mais de chegar”, conta o pesquisador. Na época, empreiteiros mineiros também buscaram haitianos em Manaus e no Acre, segundo ele, interessados em mão de obra boa e barata.