Jornal Estado de Minas

Domingo de demolição de viaduto foi dia de medo e ansiedade

Demolição de alça tem público formado por moradores que sonham com o fim do caos e a volta para casa e pessoas que saíram de longe para assistir

Jorge Macedo - especial para o EM
Paulo Henrique Lobato, Andréa Silva e Mateus Parreiras

  Muitos curiosos estiveram presentes para ver a detonação, que movimentou até o comércio das proximidades. Alguns vizinhos do elevado sentiram-se mal durante a implosão - Foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press.

As pernas de dona Anita Zambrano bambearam quando ela ouviu o estrondo vindo da alça norte do Viaduto Batalha dos Guararapes desabar sobre a Avenida Pedro I com a força dos 125 quilos de dinamite colocados nos pilares do elevado. Sua pressão caiu e, com os olhos marejados, a vendedora autônoma precisou ser atendida por uma equipe do Corpo de Bombeiros. Sentada no passeio da Avenida Pedro I, ela ainda teve forças para se preocupar com dona Maria de Jesus, uma senhora franzina de 79 anos que também precisou de amparo de profissionais de saúde. Ambas são moradoras do Residencial Antares, um dos dois conjuntos que precisaram ser evacuados para a implosão do elevado na manhã de ontem – o outro foi o Savana.

Veja as imagens da implosão


A vistoria dos 117 apartamentos dos dois residenciais foi iniciada logo após a implosão. Do total, 61 tiveram os vidros das janelas quebrados por deslocamento de ar. A Defesa Civil informou que o dano já era previsto e que tão logo o problema foi relatado, a empresa Cowan, responsável pela construção do elevado, acionou vidraceiros, que ontem mesmo iniciaram os reparos. Máquinas já começaram os trabalhos para a limpeza da via.

O dia de ontem foi apenas uma parte do sofrimento que os moradores dos prédios vivem desde 3 de julho, quando a alça sul desabou, matando duas pessoas e ferindo 23.

Na mesma data, a estrutura do lado norte afundou alguns centímetros e a alça foi condendada, o que obrigou a sua demolição. O trânsito na Pedro I está interrompido desde o dia do acidente, ocasionando um transtorno grande para motoristas. Mas poucos foram tão prejudicados quanto as famílias do Antares e do Savana. Muitas foram acomodadas em hotel pago pela construtora responsável pela obra. Outras optaram por permanecer e enfrentar o transtorno.

Ontem, poucas horas antes da implosão, a apreensão tomou conta dos dois grupos. A professora Rita Pereira da Silva, de 50, se recusou a ficar hospedada no hotel por causa de seu animal de estimação, o cão Lupito, que está doente. A construtora se ofereceu para levar o animal para um local apropriado, mas ela preferiu ficar em casa.

Dona Rita deixou o imóvel pouco depois das 8h, levando Lupito nos braços. Houve quem deixasse os residenciais em carros e até a pé, como fez o comerciante Sérgio Costas, de 44. “Tomara que a prefeitura desista da ideia de construir outro viaduto aqui. Não dá mais.” O desabafo dele foi o mesmo do industrial José Caetano Franco, de 62. Ele teme ainda que sua propriedade seja desvalorizada.

“A gente luta a vida toda para adquirir um imóvel desses (dois quartos, sala, cozinha e banheiro). Antes de a alça sul cair, o apartamento valia R$ 240 mil. E agora? Será que vale o mesmo tanto?”, questionou ele, que assistiu à implosão de um ponto na Avenida Pedro I.
A angústia foi a mesma de vários vizinhos. Tão logo a última série de sirenes marcou a contagem regressiva para o estrondo, moradores do Antares e do Savana foram dominados pela emoção.

Dona Anita, a mulher cujas pernas fraquejaram, se emocionou quando viu a nuvem de poeira invadir o conjunto Antares, erguido a menos de 20 metros do elevado. “Meu coração foi a mil. Foi tudo em um piscar de olhos. Espero que esse pesadelo acabe”, desejou a vendedora, logo depois de socorrida.

RETORNO Como ela, vários moradores voltaram ao Antares por volta das 9h30, mas as famílias só tiveram acesso aos apartamentos depois de uma vistoria da Defesa Civil e do Corpo de Bombeiros. Era o fim do pesadelo para muita gente.

A operação para pôr abaixo a estrutura foi considerada um sucesso pelos responsáveis e nenhum dano estrutural foi constatado. Os moradores foram autorizados a retornar para suas casas. Porém, aqueles que optarem por ficar longe do barulho e da poeira durante a retirada dos escombros poderão permanecer no hotel, cuja hospedagem está sendo bancada pela Cowan.


"Torcida" festeja demolição

Centenas de curiosos chegaram cedo às imediações da alça norte do Viaduto Batalha dos Guararapes para assistir à implosão do elevado erguido sobre a Avenida Pedro I.
Havia gente de vários bairros de Belo Horizonte. Muitos pais levaram seus filhos e muitos dos pequenos não perderam a oportunidade de exibir seus animais de estimação. Apesar do transtorno causado pela obra, que nem sequer chegou a ser inaugurada, parecia um programa de família. De torcida de futebol também: atleticanos, cruzeirenses e torcedores de outros clubes festejaram juntos a derrubada do pontilhão, como se o estrondo causado pela dinamite fosse um gol em final de campeonato.

Houve aplausos e gritos de comemoração. Mas também ocorreram pesadas críticas ao poder público, que não fiscalizou a obra com eficácia. Muita gente levou máquinas fotográficas e câmeras de vídeo para registrar o momento. E não faltaram adolescentes aproveitando os celulares para um selfie com o elevado ao fundo. Multidão que garantiu bons lucros a vendedores ambulantes e a donos de bares e lanchonetes.

Confira vídeos da implosão

O estampido repentino, seguido de uma cortina de poeira cinzenta, aumentou a expectativa. Só que, do alto, a visão da pista de asfalto do alto do viaduto ainda acima do solo, mesmo que não mais sustentada pelos pilares, deixou muita gente na dúvida se a demolição havia mesmo sido um sucesso. “Parece que não derrubou tudo. Será que vai ter outra explosão ou já acabou?”, indagava o servente Alexandre Lemos Andrade, de 33, que saiu de sua casa, no Bairro Jardim Leblon, em Venda Nova, só para ver a implosão.

A atração exercida pela demolição da alça tem várias explicações. Uma delas foi descrita, em voz alta, pelo taxista Valdenir de Carvalho, de 57, que mora a poucos quarteirões do elevado: “A vida vai voltar ao normal. O trânsito vai voltar ao normal”.

A alegria dele era idêntica à estampada no rosto de Eoina Bastos, de 46, que levou o filho, Gabriel, de 10, e o cãozinho da família para assistirem à implosão. O barulho assustou o animal, mas foi comemorado pela dona: “Tomara que tudo volte ao que era antes”.

Já o marido dela, o autônomo Euler, de 52, não poupou críticas à polêmica obra. Ele recordou que toda obra pública é bancada por impostos pagos pela sociedade. “Vi o nosso dinheiro descer pelo ralo. Estou indignado”, lamentava ele, enquanto observava, ao longe, os escombros.

Ao lado do elevado, faixas fixadas nas fachadas de prédios do Residencial Antares também mostravam a insatisfação dos moradores. “Nós, moradores do Antares, não queremos mais viaduto aqui”, informava uma delas. Outra destacava que os apartamentos foram comprados, e não invadidos. (PHL e MP)


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