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Estado de Minas

Refugiados da Guerra Civil na Síria querem construir uma nova história em Minas

Nos últimos dois anos BH recebeu 30 refugiados sírios. Assim como os conterrâneos que chegaram a BH no século passado, expulsos pelos otomonos, eles tentam reerguer as vidas


postado em 17/09/2014 06:00 / atualizado em 17/09/2014 08:19

Padre George Rateb Massis recebe e dá apoio aos refugiados sírios na Igreja do Sagrado Coração de Jesus, no Centro da capital(foto: Marcos Michelin/EM/D.A Press)
Padre George Rateb Massis recebe e dá apoio aos refugiados sírios na Igreja do Sagrado Coração de Jesus, no Centro da capital (foto: Marcos Michelin/EM/D.A Press)
Belo Horizonte recebeu nos últimos dois anos cerca de 30 refugiados sírios, que escaparam da Guerra Civil iniciada em 26 de janeiro de 2011, quando teve início a revolta popular que culminou com a derrubada do governo do presidente Bashar al-Assad. Depois disso, uma briga entre religiões e tribos fez com que o conflito armado aumentasse. Conviver com bombas caindo ali e ao lado era a rotina dos habitantes do país. Escapar, passou a ser a sobrevivência. E o Brasil, que tem uma colônia árabe forte – a maioria sírios e libaneses –, era, para muitos, o refúgio.

E BH foi o destino de 30 deles, todos legalizados no país, graças ao trabalho do Consulado Libanês e do cônsul sírio em Minas Emir Cadar. Para escapar à barbárie, caminharam quilômetros a pé, passaram por outros países antes de chegar ao Brasil. Aqui, tentam reerguer as vidas com a ajuda de um padre, George Rateb Massis, e da Igreja do Sagrado Coração de Jesus, no Bairro Funcionários. Até mesmo uma campanha, “juntos pela Síria”, está sendo feita pela Arquidiocese de BH, que abriu conta em banco, para receber doações.

 

A descoberta da América

Curiosamente, a história dos sírios se refugiarem em outros países, em especial, no Brasil, repete a saga dos primeiros árabes que se radicaram no país. Isso é o que conta o cônsul sírio Emir Cadar. “Nossos pais, quando vieram para cá, no início do século 20, estavam, também, fugindo de uma guerra. Fugiam do Império Otomano. Na época, um menino, com 11 anos, já estava no exército. Era fugir ou mandar o filho embora de lá. Caso contrário, o perderia para o exército. Era como mandá-lo para a morte.”

Os tempos, evidentemente, eram outros. “Não encontravam a estrutura que o país tem hoje. Pode-se dizer que vieram descobrir a América. No Brasil daquela época não havia estrada. Era um país agrícola. As colônias, não só em BH, mas em várias capitais, se agrupavam. Elas se protegiam. Os sírios casavam e formavam família. Trabalhavam com o que aparecesse.” O pai de Emir Cadar, que aqui passou a se chamar Antônio. Em árabe, era Antun, por ter nascido no dia de Santo Antônio. O que não se sabia é que grande parte da Síria é de católicos.

Cadar conta que os sírios tinham vocação para o comércio: “Meu avô, Jorge Salum, que é também avô do Marcos Salum, do América, percebeu que estavam construindo uma ferrovia e uma estação de trem em Betim. E passou a vender roupas e calçados para os trabalhadores e famílias deles.”

O pai de Cadar ficou em BH e abriu uma perfumaria. “Era mais ousado”, diz o cônsul. Mas quando veio a Segunda Guerra Mundial ficou difícil conseguir os produtos para a fabricação do perfume, que eram importados. “A perfumaria fechou. Mas ele tinha sete filhos para criar. Abriu o Armazém Cadar. A vocação do sírio, do árabe, sempre foi o comércio. Assim, abriram lojas aqui e em cidades do interior. Lá em casa, meu pai criou e formou dois engenheiros, dois médicos e as três mulheres eram professoras. Todo mundo tinha a obrigação de trabalhar e estudar.”


A maioria dos empregados das empresas dos sírios e árabes era também imigrantes ou descendentes.

A bênção do padre George

A participação da Igreja na ajuda aos atuais refugiados sírios em BH é grande. Aliás, foi o primeiro apoio que receberam, graças ao padre George Rateb Massis, de 37 anos, que se diz mineiro e faz questão de falar “Uai”, mas que é nascido na Síria, onde ainda está a família. “Ainda ontem falei com minha mãe, lá, por telefone. O que ela disse me sensibilizou. Perguntei se não queria vir para o Brasil. Sair de lá, para não correr o risco de ser morta. Ela respondeu: ‘Nasci aqui e serei a última a sair da Síria. Aqui é a minha casa’. Entendo isso.”


Quando os sírios começaram a chegar, padre Grorge os abrigou. Pôs a Igreja do Sagrado Coração de Jesus à disposição. Havia ainda a decisão do governo brasileiro em receber os refugiados. Em asilá-los. Para isso contou com a ajuda do cônsul Emir Cadar, que levou todos à Polícia Federal para regularizar a situação de cada um.


Depois, veio a necessidade de alojar os refugiados. “Alugamos quatro apartamentos perto da igreja, no Centro. Mas até chegar nisso foi difícil. Muitas vezes, a gente pagava a taxa de cadastro, de R$ 180, e diziam que a ficha não tinha sido aprovada. O pior é que não devolviam o dinheiro. Mas, enfim, conseguimos alugar os imóveis. Alguns foram para casa de conhecidos ou de parentes.”


Foi também o padre George que conseguiu curso de português para todos e emprego. A maioria ganha salário mínimo. “Mas, enfrentamos alguns problemas. Mesmo com a comprovação de renda e documento brasileiro, nenhum banco está aceitando que eles abram contas. Isso é ruim. O que querem é ser tratados com decência. Estão aqui para iniciar vida nova, para serem cidadãos. Não precisam ser tratados como criminosos”, diz o religioso.


A missão da Igreja, segundo padre George, é ajudar. Por isso, a Cúria de BH iniciou a campanha “Juntos pela Síria e abriu uma conta para receber doações para os refugiados.

Shavan Frho teve ajuda de uma mulher de Santa Luzia para embarcar em um avião, em Damasco, e chegar ao Brasil(foto: Marcos Michelin/EM/D.A Press)
Shavan Frho teve ajuda de uma mulher de Santa Luzia para embarcar em um avião, em Damasco, e chegar ao Brasil (foto: Marcos Michelin/EM/D.A Press)
De mãos dadas com Magda

Um dos primeiros refugiados a chegar ao Brasil foi Shvan Frho, de 26 anos. Há quase dois anos ele tenta, além de estudar e aprender a língua, tornar-se um cidadão de respeito, ou como ele diz, como se fosse um brasileiro. Formou-se bombeiro civil e faz curso para bombeiro militar. Espera conseguir permissão para isso, pois a lei impede que estrangeiros exerçam função militar.

Mas a história de Shvan começa com sofrimento. Ele conta que estudava o equivalente ao segundo grau, em sua cidade natal, Keshkei. Lá havia a revolta. Os pais decidiram que ele deveria deixar o país e ter um futuro. Começava a peregrinação do jovem. De carro e a pé, ele chegou à periferia de Damasco. Procurou o aeroporto e o encontrou fechado. Tratou de se esconder. Um dia chegou a notícia de que um avião iria descer para pegar refugiados.
“Não pensei duas vezes. Corri muito. Uns 20 quilômetros. Lá, encontrei uma senhora, do Brasil, de Santa Luzia, Magda Barros. Ela salvou a minha vida. Falou que estava com ela e embarquei. Chegamos a Dubai e de lá para São Paulo. Depois viemos para BH. Ninguém pode imaginar a minha emoção ao desembarcar em Confins. A Magda não estava mais, mas havia pessoas que, indicadas por ela, foram me esperar. Estavam empunhando cartazes com o meu nome. Fiquei emocionado. Eram pessoas que nunca tinha visto. Mas ajudaram, me levaram para Santa Luzia, me acolheram. Devo minha vida a ela, Magda.”


E foi em Santa Luzia, na Grande BH, que Shvan concluiu os estudos. Depois, fez o curso de bombeiro civil. Virou a coqueluche dos colegas, pelo esforço. “Eu queria fazer alguma coisa que pudesse retribuir o que as outras pessoas fizeram por mim. Alguma coisa para ajudar. Se ninguém quer entrar num lugar para salvar alguém, eu vou.” E ele foi o orador da turma.
Não satisfeito, Shvan quer trabalhar nessa profissão e resolveu fazer o curso de bombeiro militar. Está matriculado na Escola Sempro e não perde aula. Diz que vai concluir o curso, mesmo sabendo que a lei não lhe permite exercer a profissão, mas tem esperança que algum dia lhe seja dada a permissão.
    

Mesmo com saudades dos pais e da irmã, Joseph Brsaum diz que está feliz e se prepara para construir uma carreira em BH(foto: Marcos Michelin/EM/D.A Press)
Mesmo com saudades dos pais e da irmã, Joseph Brsaum diz que está feliz e se prepara para construir uma carreira em BH (foto: Marcos Michelin/EM/D.A Press)
Um futuro para Joseph

Joseph Barson, de 24, chegou a BH em janeiro. Conviveu com bombardeios e escapar da Síria foi ainda mais difícil. Vir para o Brasil era a única saída, principalmente porque o primo está na cidade, o Padre George. “Era a melhor saída.” Joseph conta que vivia em Homse-Zaidal, onde praticamente a guerra civil começou. A mãe é professora de francês. O pai, fazendeiro. A irmã, estudante de pedagogia. Tudo isso ficou para trás. “Queria muito, apesar das dificuldades, que meus pais e minha irmã estivessem comigo, mas sei que nunca virão.”

Ele conta que quando chegou ao Brasil falava com os pais pela internet, o que agora não é possível. “Não há mais energia elétrica lá. A cidade foi bombardeada diversas vezes.” Diz que a vida na casa dos pais era normal, mesmo com os bombardeios. “As bombas caem um pouco longe e eu dormia tranquilamente. Ficava em casa, via TV ou ficava na internet. Mas confesso que havia um pouco de estresse. Convivia com o medo.”


Chegar a BH, segundo ele, foi uma aventura. Primeiro, foi para Damasco, de carona. Ao chegar, o aeroporto estava fora de ação, destruído. “Tinha de ir embora. Era o desejo de maus pais. Mas, não havia como.” Depois de muito tentar, Joseph conseguiu uma carona, de carro, com um grupo de fugitivos, que iria tentar escapar pelo Líbano. E conseguiram. “Um grande alívio. Fomos para Abu-Dabi. Quando chegamos ao aeroporto, foi uma grande festa. De lá, para São Paulo. Depois BH, onde, me sinto em casa. Estou feliz, com saudade de meus pais e minha irmã, mas feliz. Agora, quero seguir minha vida, ter uma carreira, estudar. Enfim, fazer o que todos fazem.”


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