Jornal Estado de Minas

Imortalizado nos versos de Mário de Andrade, Parque da Serra do Rola-Moça comemora 20 anos

Considerado laboratório vivo por biólogos, parque estadual sobrevive ao fogo durante a estiagem

Gustavo Werneck

A canela-de-ema, considerada o símbolo maior do parque, resiste aos incêndios e à ação das pessoas que querem levar uma flor para casa - Foto: Fotos: Beto Magalhães/EM/D.A Press


A história do Parque Estadual da Serra do Rola-Moça tem a cor forte da canga do minério, a resistência da canela-de-ema, seu símbolo maior, os versos do escritor Mário de Andrade (1893-1945), imortalizando o seu nome no poema Serra do Rola-Moça, e uma trajetória de luta contra o fogo na época de estiagem. No sábado que vem, já em plena primavera – a nova estação começa segunda-feira –, a unidade de conservação completará 20 anos, data que remete à publicação do Decreto 36.071/94. “Além de proporcionar lazer aos visitantes e preservar a natureza, principalmente mananciais para fornecimento de água à população, a área verde incrustada na Região Metropolitana de Belo Horizonte é um laboratório vivo”, diz o gerente Marcus Vinicius de Freitas, lembrando que há 23 projetos de pesquisas (flora, fauna, solo e hidrologia) em andamento, entre teses de doutorado, dissertações de mestrado e monografias de conclusão de curso universitário.

Respirar o ar puro das montanhas de Minas, admirar bromélias, cáctus e orquídeas crescendo sobre o campo ferruginoso, formação geológica típica do Quadrilátero Ferrífero e só existente ainda em Carajás (PA), ver ao longe a silhueta da capital e caminhar pelas trilhas sinalizadas. Em duas décadas, o Rola-Moça se tornou uma das mais importantes reservas do estado e terceiro maior parque em área urbana do país, sendo os primeiros o Parque Nacional de Brasília e a Floresta da Tijuca (RJ). Vinculado ao Instituto Estadual de Florestas/Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (IEF/Semad), ocupa áreas de mata atlântica e cerrado nos municípios de Belo Horizonte, Brumadinho, Ibirité e Nova Lima

Na data comemorativa, o biólogo Marcus Vinicius diz que o melhor presente para o Rola-Moça é ganhar, cada vez mais, o reconhecimento da comunidade para ações ali desenvolvidas. Nessa época, por exemplo, a luta é contra os incêndios, considerado o maior inimigo. “Na totalidade, o fogo tem como causa a ação direta ou indireta do homem”, afirma. Só este ano, foram registrados cerca de 100 focos no parque, número superior ao dobro da área queimada em 2013.
“Estamos em estado de alerta”, acrescenta. Tem toda razão, afinal, em 2011, as chamas devoraram quase metade dos 4,6 mil hectares do parque e, do Mirante dos Planetas, dá para ver fumaça saindo de morros da Grande BH.

Da mata atlântica, estão presentes peroba, pau-d’óleo, jequitibá e espécies ameaçadas de extinção, a exemplo do jacarandá, braúna e pindaíba preta. Do cerrado, pau-terra, murici, barbatimão, candeia e carne-de vaca, entre outras. Ornamental por excelência, com características medicinais e flores roxa, lilás ou azul, a canela-de-ema está sempre no alvo de coletores e se torna presa fácil das labaredas. “Tão importante quanto a flora e fauna, são os mananciais Mutuca, Catarina, Barreiro, Rola-Moça, Bálsamo e Taboões para abastecimento da Região Metropolitana de BH”, ressalta o biólogo. “Estamos no divisor de águas das bacias dos rios das Velhas e Paraopeba.”


Estudantes fazem selfie na serra após palestra sobre educação ambiental - Foto: Fotos: Beto Magalhães/EM/D.A Press
MIRANTES Quem chega ao parque, cuja portaria principal fica no Bairro Jardim Canadá, em Nova Lima, pode percorrer as trilhas Cerrado, Travessia e Pitangueiras. Nesse universo, habitam 170 espécies de aves, incluindo o gavião-cinza, beija-flor-de-gravata, soldadinho, rabo-mole-da-serra etc. Na categoria dos mamíferos, figuram o lobo-guará – com sorte, é possível até ver o animal à luz do dia, como ocorreu recentemente com Marcus Vinicius e uma pesquisadora uruguaia –, onça-parda, gato-do-mato-pequeno, mico-estrela e macaco guigó ou sauá.

Depois de conversar com um grupo de estudantes e orientar um motoqueiro a não entrar nos mirantes com o veículo, Marcus Vinícius afirma que o desafio da equipe é fazer o público compreender que “este lugar é mágico, único e inesquecível”. Na tarde de quinta-feira, 20 adolescentes da Associação Profissionalizante do Menor (Assprom), de BH, tendo à frente a coordenadora de atividades de cultura e Lazer, Silvana Santos, conheceram trilhas, os mirantes dos Planetas e Morro dos Veados e desfrutaram da calma que só as montanhas oferecem, numa temperatura amena, bem longe do “forno” da capital.  

Moradora do Bairro da Serra, na Região Centro-Sul de BH, a estudante Amanda Lorena Lopes, de 19 anos, visitava a unidade de conservação pela primeira vez e gostou de tudo o que viu. “Temos conhecimento e lazer”, observou a jovem.

Ao lado, a colega Luana Gonçalves, de 16, falava do seu segundo passeio ao Rola-Moça: “É muito bonito, faço novas descobertas”. Ao chegar, os visitantes participam de uma palestra e depois saem a campo. Marcus Vinicius diz que o parque investe, desde o início, em educação ambiental. “Ninguém gosta do que não conhece, então queremos que cada visitante seja um agente multiplicador e convide amigos, familiares e outras pessoas.” Outro atrativo do parque são as 40 cavernas, abrigando ainda a sede do Centro de Estudos de Cavernas de Minas Gerais (Cecav).

Para Marcus Vinicius, o desafio é o público perceber que o parque é único - Foto: Fotos: Beto Magalhães/EM/D.A Press

SERVIÇO


Parque Estadual da Serra do Rola-Moça
Horário de funcionamento: das 8h às 17h (diariamente)
Para atividades monitoradas (trilhas, mananciais, cachoeiras e viveiros), é preciso agendamento.
Telefone: (31) 3581-3523

 

 

 

POEMA DA PAISAGEM

O nome do Parque Estadual da Serra do Rola-Moça foi imortalizado pelo escritor Mário de Andrade em um poema que relata a história de um casal. Logo após a cerimônia de matrimônio, na volta para casa, eles teriam cruzado a serra. No caminho, o cavalo da moça escorregou no cascalho e caiu no fundo do grotão. O marido, desesperado, cravou a espora na sua montaria e desceu ribanceira abaixo. O verso final do poema, escrito em outubro de 1954, diz assim: “Faz um silêncio de morte/Na altura tudo era paz.../Chicoteando o seu cavalo/No vão do despenhadeiro/O noivo se despenhou/E a serra da Rola-Moça/Rola-Moça se chamou”.


LINHA DO TEMPO

1994 – Em 27 de setembro, é criado o Parque Estadual da Serra do Rola-Moça, com a publicação do decreto 36.071

2007 – Em outubro, é elaborado o plano de manejo da unidade de conservação para nortear ações no Rola-Moça

2011 – Em setembro, ocorre o maior incêndio da história do Rola-Moça destrói 49,5% da vegetação.
O parque tem, no total, 4,6 mil hectares

1998 – Em 27 de novembro, são inauguradas a sede administrativa e outras benfeitorias da unidade de conservação

2002 –Ministério do Meio Ambiente destaca o parque como área de importância biológica extrema

2005 – Em agosto, é empossado o conselho consultivo do parque, com um total de 48 integrantes do poder público e sociedade civil

2005 –Atlas de Áreas Prioritárias para Conservação da Biodiversidade no Estado, da Fundação Biodiversitas, aponta o Rola-Moça como de importância especial.