Jornal Estado de Minas

Quilombolas que vivem na Granja Werneck terão direitos garantidos

Um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) está firmado para garantir o tratamento diferenciado à comunidade Mangueiras

Luana Cruz

- Foto: Leandro Couri/EM/D.A Press



Cerca de 19 mil descendentes de um casal de lavradores negros, que carregam cultura e história em Belo Horizonte e vivem na região da Granja Werneck, terão direitos garantidos na permanência e uso do território que ocupam. O Quilombo do Mangueiras, um dos três quilombos urbanos da capital mineira reconhecidos pela Fundação Cultural Palmares, receberá medidas compensatórias depois da implantação de empreendimentos imobiliários na área. Um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) para garantir o tratamento diferenciado à comunidade foi firmado entre o Ministério Público Federal (MPF), o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), a Comunidade Quilombola de Mangueiras, as construtoras que investem na região, a Prefeitura de Belo Horizonte e a Fundação Municipal de Cultura.

Os remanescentes do Quilombo de Mangueiras ocupam terras na região norte, na divisa com Santa Luzia, desde a segunda metade do século 19. Eles são descendentes do casal de lavradores Cassiano e Vicência, que usavam as terras da mata do Isidoro para o seu sustento. Há mais de 120 anos, seis gerações assistiram à expansão de BH, principalmente do Vetor Norte e dos bairros do entorno.

De acordo com o chefe de substituto do Serviço de Regularização de Território do Instituto de Colonização e Reforma Agrária (Incra), Antônio Carlos da Silva, o processo de certificação do território Mangueiras ainda está em andamento, assim como o Quilombo Luízes, no Bairro Grajaú. Em ambas comunidades, o Incra já fez estudos antropológicos que comprovam a descendência e manutenção da cultura quilombola. No caso do Quilombo Manzo, no Bairro Santa Efigênia, o estudo ainda será feito.
Dessa forma, apesar de reconhecidos pela Fundação Cultural Palmares, nenhum dos territórios tem regularização pelo órgão federal.

RECONHECIMENTO O MPF está desde 2010 empenhado em ações para garantir os direitos do Quilombo Mangueiras. De acordo com a procuradoria, nos últimos anos, a comunidade vem sofrendo ameaças de perda de território pelo crescimento da cidade e por obras de urbanização realizadas no entorno do perímetro definido no Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID) elaborado pelo Incra. Dos 387 mil metros quadrados do território original em que viviam no século 19, restam-lhes atualmente apenas cerca de 195 mil. Ainda segundo o MPF, a área, que até pouco tempo era desvalorizada por estar em uma das regiões mais pobres da capital, tornou-se alvo de cobiça após a implantação da Cidade Administrativa, situada a cerca de cinco quilômetros da terra quilombola.

A PBH também começou a implantar um projeto de urbanização denominado Operação Urbana do Isidoro, que, entre outras intervenções, prevê a construção de o empreendimento imobiliário Granja Werneck, com a construção de 13.140 unidades habitacionais (pelo programa do governo federal, Minha Casa Minha Vida). Conforme o MPF, há também proposta de construção de uma via pública que irá interligar a Avenida Cristiano Machado e a MG-20, ambos utilizando parte do território de Mangueiras.

TRATAMENTO DIFERENCIADO Com o TAC, a comunidade deverá receber tratamento diferenciado durante o licenciamento ambiental do Condomínio Granja Werneck. A procuradoria tentou com o ajustamento de conduta garantir prevenir os danos socioambientais a que estarão expostos os remanescentes.

“Ao reconhecer que a Comunidade de Mangueiras é titular da área delimitada no processo de regularização fundiária em tramitação no Incra, os empreendedores e o Município de Belo Horizonte também reconhecem que precisam observar todos os direitos decorrentes dessa condição, implantando medidas mitigadoras e compensatórias dos danos que advirão das obras. Os empreendedores se comprometeram a realizar o Inventário Cultural da Comunidade, bem como seu posterior Plano de Salvaguarda, associado ao Plano Participativo de Gestão e Manejo Ambiental do território”, afirma o procurador da República procurador regional dos Direitos do Cidadão substituto, Helder Magno da Silva.

MEDIDAS COMPENSATÓRIAS Segundo o MPF, entre as 26 medidas mitigadoras e compensatórias previstas no TAC está a cessão de área contígua ao território quilombola e de dimensão equivalente, no mínimo, à área que será utilizada para a construção da alça viária da Via 540, e a obrigação de viabilizar, aos membros da comunidade, o livre acesso às áreas verdes e demais espaços de uso comum, dentro dos limites do empreendimento, para a realização de suas atividades tradicionais, culturais e religiosas.

Outras medidas de natureza socioambiental consistem na reestruturação da rede de esgotamento sanitário, na recuperação e melhoria das nascentes e matas ciliares existentes na área e na construção de novas residências, cujos projetos deverão ser elaborados juntamente com a comunidade. Também deverão ser tomadas providências para a melhoria total das vias de acesso à comunidade, com a instalação de equipamentos urbanísticos como iluminação pública, calçamento e rede de escoamento das águas pluviais.

Os empreendedores ainda se comprometeram a elaborar e desenvolver projetos de educação de patrimônio cultural e ambiental destinando-os às localidades e bairros vizinhos ao Quilombo de Mangueiras, incluindo as escolas da região. Por sinal, outro compromisso é o de promover a inserção de jovens e adultos da comunidade quilombola em cursos técnicos de nível médio ou cursos profissionalizantes, a partir de levantamento prévio de suas demandas.

PUNIÇÃO O descumprimento total ou parcial das obrigações assumidas no TAC resultará na suspensão imediata das autorizações concedidas pelo Iphan, no processo de licenciamento ambiental do Condomínio Granja Werneck, quanto às licenças prévias e de implantação do empreendimento.
Os responsáveis por eventual descumprimento também estarão sujeitos ao pagamento de multa diária no valor de cinco mil reais.

OCUPAÇÕES Nos últimos meses, a região do Granja Werneck esteve em pauta por causa do processo de reintegração de posse da área ocupada por três comunidades: Vitória, Esperança e Rosa Leão. Há decisão judicial para retirada de quase 8 mil famílias do terreno. Segundo o Frei Gilvander, assessor da Comissão Pastoral da Terra, continua o processo de negociação para barrar o despejo. Na tarde de quinta-feira haverá uma reunião com as coordenações, advogados e a procuradora Gisela Saldanha, do Ministério Público, que está fazendo a mediação com as construtoras.

(Com informações de Cristiane Silva)

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