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Estado de Minas

Seca que engole nascente do São Francisco deixa comunidades ribeirinhas em alerta

Pela primeira vez na história, principal fonte do maior rio integralmente brasileiro para de correr. Comitê de bacia já fala em racionamento e cidades ribeirinhas temem ficar sem água


24/09/2014 06:00 - atualizado 24/09/2014 11:53

Luiz Ribeiro

Leito do rio tomado pelo assoreamento no Norte de Minas é outra face da destruição que está sugando o Velho Chico (foto: Frederico Martins/Divulgacao)
Leito do rio tomado pelo assoreamento no Norte de Minas é outra face da destruição que está sugando o Velho Chico (foto: Frederico Martins/Divulgacao)

A nascente principal do Rio São Francisco, situada no Parque Nacional da Serra da Canastra, no município de São Roque de Minas, Região Centro-Oeste do estado, secou pela primeira vez, em decorrência daquela que já é considerada a pior estiagem da história no Sudeste brasileiro. A situação, confirmada ontem pelo chefe da unidade de conservação, Luiz Arthur Castanheira, coloca em alerta todas as comunidades ribeirinhas, diante da possibilidade de racionamento de água ao longo do chamado rio da integração nacional, o maior curso d’água que nasce e deságua em território nacional, estendendo-se por 2.700 quilômetros, em cinco estados (Minas, Bahia, Pernambuco, Alagoas e Sergipe). Sua bacia hidrográfica alcança 504 municípios, incluindo cidades de Goiás e o Distrito Federal.


“Terão que ser adotadas, imediatamente, medidas para promover o uso racional da água na bacia”, alerta o presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco, Anivaldo Miranda, lembrando que a situação das nascentes também se reflete no nível crítico dos reservatórios de usinas, como a de Três Marias, que está com apenas 5,7% de sua capacidade. Miranda considera que o secamento de nascentes e a drástica redução no volume do rio devem servir como advertência para que o governo revise as outorgas de água e o funcionamento das hidrelétricas ao longo da bacia.

“É preciso que o poder público considere esta situação como um sinal de alerta para a necessidades de mudanças no modelo da matriz energética do Rio São Francisco e de mudanças no programa de concessão de outorgas”, alertou. Segundo ele, o comitê vai procurar estabelecer negociações entre os entes da federação (esferas federal, estadual e municipal) para maior controle da retirada de água do Velho Chico. “Precisamos de um grande pacto em torno do uso da água, abrangendo todos os poderes. Hoje, só se olha para as demandas, mas temos que observar o aspecto da sustentabilidade. O rio não tem água para todo mundo”, afirma Miranda.

De acordo com o chefe da unidade de conservação que abriga o berçário do rio, Luiz Arthur Castanheira, não chove significativamente na região desde março. Segundo ele, outros olhos d’água e pequenos córregos situados nos 200 mil hectares do Parque Nacional da Serra da Canastra – que ajudam a formar o Velho Chico – também estão secos. Apesar da situação crítica, Castanheira informou que a Cachoeira Casca D’Anta, atração turística situada a 14 quilômetros da nascente principal do São Francisco, mantém a queda d água, apesar da redução do volume. Outra nascente importante da bacia, a do Rio Samburá, situada já fora da unidade de conservação, continua correndo, acrescentou.

Para agravar a situação, no fim da semana passada o Parque Nacional da Serra da Canastra foi atingido por um incêndio, que chegou perto da nascente principal do São Francisco. Castanheira, no entanto, afirmou que o fogo não teve impacto direto sobre a situação do manancial, que, segundo ele, já estava praticamente seco. O fogo levou a unidade de conservação a ficar fechada pelo período de 15 dias.

O chefe do parque nacional confirma ser a primeira vez na história que a nascente principal seca, uma realidade que “deixou todo mundo assustado” e impressionou antigos funcionários do parque. Porém, ele acredita que a situação tende a se normalizar com o fim da estiagem: “A nascente secou como conseqüência da grande seca que está ocorrendo na Região Sudeste. Mas acredito que, assim que voltar a chover, ela vai reaparecer”, comentou.

CALAMIDADE Já o presidente do Comitê das Bacias Hidrográficas dos Afluentes do Alto São Francisco, Lessandro Gabriel da Costa, secretário de Meio Ambiente de Lagoa da Prata, considera que o secamento da nascente principal revela o agravamento das conseqüências da estiagem. “A situação é muito grave. Acho até que o estado deveria decretar calamidade na região, por causa dos riscos de desabastecimento humano”, afirmou. Ele lembra que vários municípios ribeirinhos já estão enfrentando falta de água. “Trata-se uma situação completamente atípica. O secamento da nascente do São Francisco é conseqüência do assoreamento e dos desmatamentos em todo o país”, comenta o ambientalista.

Secretário de Meio Ambiente da cidade que abriga a nascente histórica, André Ricardi se diz muito preocupado. “Há algum tempo estamos acompanhando a siatuação de diversas nascentes que eram permanentes e tornaram-se temporárias”, diz o representante de São Roque de Minas. “Observamos que os rios começam a morrer pelo fim de suas nascentes mais altas. Talvez, agora, isso sirva para chamar atenção das autoridades para a necessidade de investir realmente na conservação da bacia do Rio São Francisco”, advertiu Ricardi.


Estiagem é uma das piores na capital


A seca em Belo Horizonte neste ano pode ficar entre as cinco mais severas desde que começaram as medições, há 104 anos. O acumulado de chuvas entre janeiro e agosto foi de 527 milímetros, o que representa 69,9% da média para o período, de 756 milímetros. Dados preliminares do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) apontam que no verão de 2014 na capital mineira – janeiro, fevereiro e março – choveu o acumulado de 207 milímetros, acima apenas do registro de 1984, de 180 milímetros. A média histórica de chuva nos primeiros três meses é de 623 milímetros, o que significa que o volume foi de 33,2% do esperado para a época.

De acordo com o Inmet, a média anual histórica na cidade até setembro é de 1.466,2 milímetros, mas até a semana passada choveu menos da metade desse volume, com o acumulado de 529 milímetros. As consequências do tempo seco são nascentes exauridas e incêndios em matas.

Ainda que chova o correspondente à média histórica até dezembro, o equivalente a 710 milímetros, 2014 terminaria com 1.239 milímetros, 24% a menos do que a média anual. Segundo o Inmet, a pior seca na cidade ocorreu em 1963, quando choveu 497,5 milímetros. Neste fim de semana, os belo-horizontinos poderão ter um alívio no calor. De acordo com o Instituto Climatempo, uma frente fria avança pela Região Sudeste e deve trazer um pouco de umidade, que favoreceria a formação de nuvens.


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