Já vi noivas que estão na minha situação simularem casamentos de mentirinha só para entrar na igreja de braços dados com o pai. Eu me recuso a fazer isso”, defende a geógrafa e engenheira ambiental Veridiana Viana, de 32 anos, noiva e com casamento marcado para maio do ano que vem. Não poderia ser diferente, aliás. Em latim, o nome Veridiana significa verdade. Como filha única, ela conta que sempre manteve uma relação “muito verdadeira” com a mãe Helena, de 55, e com o pai, o representante comercial Klinger Figueiredo Viana, de 59, portador de câncer de linfoma não Hodgking nas células do manto, um dos tipos mais agressivos da doença.
Desde que foi diagnosticado, em 2006, o pai da noiva já foi submetido a cerca de 200 sessões de quimioterapia, testou todos os tipos de medicamentos indicados para o caso e enfrentou diversas cirurgias para a retirada de tumores. Com expectativa de vida de dois a quatro anos, no máximo, Klinger dobrou a previsão mais otimista dos médicos. Nesse intervalo, atravessou cinco pneumonias, duas tromboses e quatro acidentes vasculares cerebrais (AVCs). “Ninguém se conforma com o meu pai vivo. Ele já está no bônus”, brinca Veridiana, que aprendeu, desde nova, a lidar com a morte à espreita.
Antes do câncer, Klinger manifestou ser cardíaco. Há 15 anos, quando Veridiana contava menos de 18 anos, o pai enfartou, pela primeira vez, e deu início a uma série de três cirurgias no coração. Em todos os grandes eventos da vida da filha, ele esteve internado ou se recuperando de um procedimento. Na formatura da filha em geografia, se recuperava de cirurgia de ponte de safena. Às vésperas da cerimônia, Klinger deixou o CTI para ver Veridiana receber o diploma. Na segunda formatura da filha, em engenharia ambiental, o pai se restabelecia de um derrame.
Na festa de 30 anos, Klinger chegou a ser desenganado pelo médico, depois da pneumonia seguida de embolia. Levantou-se do leito do hospital e dançou a valsa com a moça. “Em todos os grandes eventos da minha vida, disseram que meu pai não iria, mas ele deu jeito de estar comigo”, confia ela, exibindo-o em cada foto que emoldura a parede da casa da família, no Bairro Engenho Nogueira.
Embaixo da parede repleta de registros dos momentos felizes está a rede instalada por Helena, como forma de ajudar na recuperação do marido. “Ele passa 15 dias aí deitado, olhando para o teto, sem se mexer. Quando Veridiana chega do interior, Klinger ressuscita. É inacreditável”, emociona-se. Ao contrário da maioria das mães de noivas, Helena recolheu-se aos bastidores nas decisões relativas ao casamento. Entregou a prerrogativa ao marido, que curte cada detalhe da preparação das bodas.
Para agradar ao pai, Veridiana está envolvendo o representante comercial em todas as decisões, desde a escolha dos convites, ao modelo do vestido e até à degustação do bufê. Contou com a compreensão da dona do bufê, que preparou uma festa em miniatura, especialmente para passar pelo crivo do pai da noiva. “Imagine você que ele deu bomba em três tipos de salgados que eu havia escolhido, insistiu no bem-casado tradicional, embora eu preferisse o de massa folhada, e trocou o sabor da calda do bolo por baba de moça. Parecia uma criança, lambendo o copo das provinhas”, conta a filha, carinhosa. Ela chegou a mandar substituir o brigadeiro de colher por uma espécie de ‘doce de leite de colher’. “Para o meu pai, não há doce melhor no mundo”, justifica.
CHURRASQUEIRA Bem que a noiva tentou antecipar a data do casamento. Chegou a “subornar” a secretária de Igreja São José com chocolates e produtos de beleza (que a mãe dela representa) para conseguir nova data, mas ela avisou que o pároco seria irredutível. Nem mesmo a revelação do agravamento da doença do pai teria comovido a mulher, que lembrou a acirrada concorrência para a agenda de casamentos em uma das igrejas mais tradicionais e centrais da capital mineira. “Foi exatamente por isso que escolhi a São José, considerando que 75% dos meus convidados são de fora de BH e precisam reservar hospedagem nos hotéis”, explica ela, que tentou também remarcar a data, sem sucesso, em outras sete igrejas centrais e na paróquia local.
No íntimo, Veridiana não está totalmente convencida da necessidade de adiantar o casório com o engenheiro civil Fernando, descrito como um homem romântico, a ponto desenhar o anel com o símbolo do infinito, entrelaçado em corações. “Quer dizer, então, que eu antecipo meu casamento e, depois disso, meu pai estará liberado para morrer?”, desabafa. Em seguida, diz ser uma pessoa intuitiva e com forte sexto sentido: “Tenho fé de que ele vai me levar ao altar e que ainda vamos ter um arranca-rabo antes de entrar na igreja, como acontece todas as vezes. Ele está ameaçando ligar a churrasqueira para receber os parentes de São Paulo e eu já avisei que não vou me casar cheirando a fumaça”.
Neste momento da conversa, Helena entra na cena. Calmamente, oferece um pedaço de bolo de fubá com creme, especialidade da casa, e um gole de café forte. Comenta que a filha saiu ao pai, tanto na aparência física quanto no gênio forte, lutador. Com a palavra, o guerreiro, que até agora vem vencendo a morte: “A doutora diz que meu câncer é encardido de ruim. Ele sara e volta. Depois, sara e torna a voltar. Se assim Deus permitir, estarei lá para levar minha filha ao altar. Porém, mais importante do que isso é que ela seja feliz como estou sendo com a mãe dela. Exemplo disso ela sempre teve dentro de casa. Fernando é um bom moço. Meu desejo é que sejam felizes para sempre”.