Comerciantes da Savassi, uma das áreas mais nobres de Belo Horizonte, decidiram baixar as portas em protesto contra a falta de segurança e a presença na região do que definem como criminosos disfarçados de moradores de rua. Data e horário do protesto, que foi decidido em reunião na quinta-feira e deve durar uma hora, ainda serão marcados. Novo encontro para debater o tema com a Polícia Militar está previsto para 21 de outubro, na Câmara dos Dirigentes Lojistas (CDL), quando empresários pretendem cobrar providências para o clima de medo.
Às 13h50 de ontem, dois ladrões em uma moto dispararam tiros na confluência das Rua Alagoas e Antônio de Albuquerque, durante uma saidinha de banco. Houve pânico e várias pessoas buscaram proteção em uma loja de bijouterias. “Trancamos a porta, com medo de o bandido entrar”, disse a vendedora Giovana Santos. Não foi uma ocorrência isolada: somente no perímetro formado pelas avenidas Cristóvão Colombo, Getúlio Vargas e Rua Tomé de Souza, percorrido ontem pela equipe do Estado de Minas, pelo menos seis comerciantes relataram ter sido vítimas de arrombamentos ou de tentativas na última semana. Um dos crimes ocorreu às 16h de domingo, na Tomé de Souza, entre Rua Pernambuco e Avenida Getúlio Vargas: os ladrões aproveitaram a comemoração de torcedores durante o jogo Cruzeiro x Atlético para arrebentar a porta de aço de um brechó, usando um pé-de-cabra.
Um grupo de moradores de rua montou acampamento na Tomé de Souza com Pernambuco e o local virou ponto de vendas e de consumo de drogas, segundo denunciam lojistas. “Um bando de rapazes dorme no local. Alunos de uma escola próxima saem da aula ao meio-dia e entram em caixas de papelão para usar drogas com eles”, denuncia Ana Fernandes, dona do brechó arrombado. “Contratei vigia durante a noite. Há pedintes que entram nas lojas e ficam exigindo coisas, em tom de ameaça. Um deles, de tão drogado, achou que um dos vendedores fosse um manequim”, comentou.
Na madrugada de quarta-feira, ladrões arrebentaram a porta da loja de biscoitos de Maria Aparecida Costa Leite, na Avenida Cristóvão Colombo com Rua Tomé de Souza, mas não conseguiram entrar, por haver um degrau impedindo a passagem. Na quinta-feira anterior, tentaram arrombar uma loja de artesanato vizinha. Na mesma madrugada, entraram na farmácia ao lado e levaram dois monitores de computador. “É gente se refugiando na loja o dia todo, com medo de moradores de rua. Eles estão criando força, se enraizando na Savassi”, reclama o gerente Cristóvão Henrique Moreira. Segundo ele, o policiamento piorou depois da Copa da Mundo.
Os crimes são mais frequentes quinta-feira à noite, segundo Cristóvão, quando acontece uma feira de alimentação na Rua Tomé Souza. “A Savassi é um deserto de madrugada. Não tem policial, não tem nada. Os moradores de rua tomaram conta de tudo. Ficam intimidando a gente na feirinha e até tomam comida das mãos das pessoas”, reclama a gerente de farmácia Regina Célia Costa. Gerente de livraria no quarteirão fechado da Rua Pernambuco, Ivan Carlos Oliveira também se queixa da audácia de andarilhos e reclama que a PM retirou, há três meses, a base móvel que ficava na Praça Diogo de Vasconcelos.
“Está terrível aqui. A gente só escuta que roubaram uma loja aqui e outra lá. Estamos fechando as portas às 6 da tarde, com medo de assaltos”, disse a vendedora Giovana Santos, ainda assustada com o disparo de um tiro em frente à loja em que trabalha. “Bala perdida não escolhe vítima. Você pode estar passando na rua e morrer”, disse a colega dela, Bruna Cotta.
LISTA DE QUEIXAS Pesquisa feita no início do semestre pela CDL, que entrevistou 202 comerciantes da Savassi, aponta que as principais queixas dizem respeito à falta de estacionamento (30%), presença de moradores de rua (21,16%), falta de limpeza urbana (10,93%), de iluminação (7,21%), de segurança e policiamento (7,21%). O comandante do 1º Batalhão da PM, tenente-coronel Helbert Figueiró, reconhece que as reclamações sobre a presença de moradores de rua e a sujeira deixada por eles diante de lojas cresceram muito este ano.
Os empresários têm recorrido à PM para relatar incômodo, mas a corporação atua somente em situações de crime. “O excessivo número de moradores de rua causa apreensão, mas temos uma limitação em relação a eles: se há evidência de crime, intervimos. No entanto, o encaminhamento deles quem faz é a prefeitura”, disse.
Grandes eventos na Savassi também têm representado problemas. Segundo o tenente-coronel, “esse tipo de acontecimento tem alterado o contexto de público e segurança”. “Toda vez que há evento, recebemos denúncias de um número excessivo de delitos que fogem ao padrão”, afirmou, citando roubos, principalmente de celulares. Apesar disso, o oficial sustenta não haver registro que aponte aumento da criminalidade na Savassi.
O comandante da 4ª Companhia do 1º Batalhão da PM, major Marcelus de Castro Machado, responsável pelo policiamento na área, disse que a questão dos moradores de rua está sendo avaliada pelo setor de inteligência. Ele explicou que a base móvel que antes ficava na Praça Diogo de Vasconcelos está sendo levada para outros locais estratégicos, definidos a partir de levantamento estatístico.
A coordenadora do Comitê de Políticas para a População de Rua da Prefeitura de Belo Horizonte, Soraya Romina, disse que essa parcela da população tem acesso a vagas em abrigos, albergues, repúblicas, entre outros serviços, mas que o poder público não pode fazer a retirada compulsória deles das vias públicas, sob pena de infringir a lei. “Quando o poder público oferece abrigo, um serviço, há regras para tudo e essas pessoas têm dificuldade com normas”, afirmou Soraya.