Jornal Estado de Minas

Lojistas reclamam do aumento de camelôs infiltrados entre hippies no Centro de BH

Artesãos têm proteção de liminar para vender objetos no Centro de BH, mas muitos grupos acabam se misturando a eles para escapar das fiscalizações

Gustavo Werneck
Quarteirão fechado da Rua Rio de Janeiro está tomado por vendedores e mercadorias expostas no chão - Foto: Marcos Michelin/EM/D.A Press
Hippies fazem pulseiras com as cores da Jamaica, índios vendem gamelas e colheres de pau, ambulantes oferecem CDs em todo canto e artesãos mostram bolsas de tecido, enquanto camelôs têm nas barraquinhas produtos do Paraguai a preço de banana. O Centro da capital é um verdadeiro “mercado persa”, onde homens, mulheres e adolescentes comercializam de tudo um pouco, muitos deles não se importando com a lei, que se traduz pelas normas do Código de Postura. A situação dá trabalho ao setor de fiscalização da Prefeitura de Belo Horizonte (PBH), que registra a média diária de 20 apreensões de mercadorias na Praça Sete, Rua Rio de Janeiro e imediações, irregularidade que pode gerar ao infrator multa de até R$ 1,5 mil. Livres para vender só mesmo os artesãos, especialmente os hippies, com base numa liminar concedida pela Justiça em 2012.

O aumento crescente de vendedores nas ruas preocupa o presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas de Belo Horizonte (CDL-BH), Bruno Falci. “A questão vai muito além das mercadorias. A reboque dos artesão autorizados pela liminar, vêm graves problemas de segurança, comercialização de drogas, sujeira extrema na Praça Sete e Rua Rio de Janeiro e muito mau cheiro, num cenário deplorável”, afirma Falci. Ele diz ainda que está aumentando a quantidade de hippies nas calçadas, e, com isso, muita gente se mistura a esse grupo para oferecer produtos industrializados e escapar dos fiscais.

“Tem que haver uma solução, certamente com a destinação de um espaço específico para acolher essas pessoas. Tomaram conta de um lugar nobre da cidade e ficam bem diante das lojas de comerciantes que pagam impostos e aluguéis e arcam com outras responsabilidades.
Não está certo”, reclama o presidente da entidade. Considerando o quadro “vergonhoso”, Falci prevê uma condição pior para os pedestres na estação chuvosa. “Ninguém consegue andar na calçada e as pesssoas são obrigadas a ir para o meio da rua.”

Os artesãos – e somentes esses, que fazem trabalhos manuais – têm autorização para confeccionar e expor seus produtos em vias públicas de BH, conforme liminar da Justiça em ação da Defensoria Pública de Minas Gerais. A PBH recorreu da decisão, mas não foi bem sucedida –assim, a Secretaria Municipal Adjunta de Fiscalização (Smafis) esclarece que a atuação de camelôs em vias públicas é proibida. Já o Comando de Policiamento da Capital (CPC) dá apoio às acões da municipalidade para coibir as irregularidades, conta o comandante da 6ª Companhia, major Roberto Campolina. Para o militar, a liminar não atrapalha a fiscalização, tendo em vista a continuidade das apreensões no Centro.

“O grande problema, durante as apreensões é definir exatamente o que é uma mercadoria artesanal e um produto industrializado”, afirma o major Roberto. No dia a dia, as equipes encontram desde celulares a produtos falsificados, passando por mercadorias de origem clandestina.

VARIEDADE Para conhecer esse cenário, só mesmo indo ao Centro de BH para observar longamente, de olho nas colchas estendidas no chão, a variedade de mercadorias expostas. Sem distinção, os vendedores dizem, com orgulho, que têm o documento para ficar na rua. Uma jovem confunde as palavras e afirma que todos estão autorizados por uma “subliminar” a “ganhar a vida”.

“Meu patrão tem o documento da Justiça. Então, podemos vender tudo aqui”, afirma um jovem, na Rua Rio de Janeiro, perto da Praça Sete, apontando os nomes próprios escritos em metal dourado ao preço de R$ 10. Ele diz que as peças não são artesanais, “mas não podem ser apreendidas”. Mais adiante, na esquina com a Rua Tupis, um vendedor está sentado ao lado de fruteiras de vidro imitando cristal. Uma mulher pergunta se as peças são feitas à mão, ele desconversa, e avisa que sim.
“Não acredito, mas vou levar”, diz freguesa.

Com a calma tradicional do “paz e amor”, os hippies não esquentam a cabeça com documentos, certos de que estão protegidos. “Aqui é tranquilo, tá de boa”, afirma um rapaz com uma touca de rastafári. “Escrevo o seu nome no grão de arroz. São R$ 10”, diz o jovem retirando os apetrechos de dentro de uma sacola. Já perto do shopping na Rio da Janeiro, um casal de colombianos revela tomar conta do seu “tapete” e da artesão vizinha, que se ausentara por alguns minutos. Ela chega e diz que as “tiaras bordadas” são legítimas, feitas em casa, “no maior capricho”. Com cuidado e “medindo as palavras” para não ter problema com camelôs e “falsos artesãos”, a vendedora de tiaras avisa que há muita gente “infiltrada” nas calçadas. “É melhor nem falar, mas tem mercadoria industrializada, que burla a lei.” Não precisa ir longe para ver produtos, ao que tudo indica “made in China” oferecidos à luz do dia e com clientela garantida.

A LEI E AS RUAS

A JUSTIÇA

» Ao ingressar com a ação civil que abriu espaço para a volta dos camelôs, os defensores públicos alegavam querer proteger os direitos de hippies e artesãos de rua, presentes sobretudo na Praça Sete. Desde 2011, eles vinham sendo abordados por fiscais, que alertavam não ser permitida a atividade e, com a ajuda de policiais militares, confiscavam produtos e equipamentos de trabalho. A ação defendia que devia ser resguardado o “direito fundamental ao livre exercício da cultura”, com base em princípios como liberdade de expressão.

PROIBIÇÃO

» O Código de Posturas do Município de Belo Horizonte proíbe a comercialização dos produtos nas ruas.
A Lei 8.616, de 14 de julho de 2003, em seu artigo 118, veda o exercício de atividade por camelôs e toreiros em vias públicas.

PERMISSÃO

» Decisão do juiz Geraldo Claret de Arantes, da 1ª Vara da Fazenda e Autarquias de Belo Horizonte, permite que artesãos de rua ou hippies exerçam seu direito à expressão artística em Belo Horizonte, podendo confeccionar e expor e vender suas peças e objetos artísticos sem prévio licenciamento, sob pena de multa diária de R$ 5 mil. A liminar concedida em setembro de 2012 determinou ainda a devolução dos objetos indevidamente apreendidos, em 10 dias.

Memória

Código de Posturas

Em novembro do ano passado, o Estado de Minas denunciou a situação dos falsos hippies ou artesãos “made in China”, que, se aproveitando de uma brecha legal, vendem produtos industrializados de origem duvidosa como se fossem feitos à mão. Banidos das ruas de Belo Horizonte havia 10 anos, eles estavam de volta, desde que entrara em vigor o Código de Posturas proibindo a atividade no Centro. Sem se intimidar, já estavam expondo correntes, colares e pulseiras de aço, piercings e brincos enrolados em embalagens práticas, tiaras, em meio a uma vasta linha de quinquilharias que admitem comprar em centros comerciais de BH ou São Paulo, muitas de procedência chinesa. .