Jornal Estado de Minas

População da Grande BH recorre à fé para pedir chuva

Moradores de Caeté, na Grande BH, recorrem à tradição, molham os pés da cruz diante de igreja e rezam baixinho pedindo a Deus que mande água

Gustavo Werneck
Flávia Tamara repete o gesto que a avó fazia, em períodos de seca, e afirma que ritual sempre deu certo - Foto: Juarez Rodrigues/EM/DA Press
A fé move montanhas, une pessoas e, dependendo da intensidade, pode até fazer choverÉ pensando – e rezando – que moradores católicos de Caeté, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, recriam velha tradição e rogam aos céus pedindo água para acabar com a seca dos rios, recuperar o volume dos reservatórios e garantir o abastecimento das cidadesAos pés da santa cruz, diante da Igreja de Nossa Senhora do Rosário, do século 18, no Centro, a servidora pública Flávia Tamara Marques Machado molhou a base do cruzeiro e rezou Ave Maria, Pai Nosso e o Credo`


“A minha avó, Raimunda, sempre fazia isso e me ensinou a molhar a madeira do cruzeiro na época da estiagemSempre deu certo”, contou Flávia, residente no distrito de Penedia, a quatro quilômetros do Centro de Caeté“Ela fazia assim umas duas vezes por dia, rezando baixinho”, disse a moça, que repetiu a tradição na tarde de ontem, logo depois de sair do serviçoAo mesmo tempo, integrantes do Terço dos Homens Filhos de Maria se preparavam, de rosário nas mãos, para pedir a Deus a bênção em forma de chuva.

“Em nome do pai, em nome do filho, em nome do espírito santo, estamos aqui para louvar e agradecer…”, cantou o coordenador do terço, o aposentado Vanderlin Macedo, de 71 anos“Esta é uma tradição antiga que veio do NordesteEstamos preocupados com a falta de água e, então, estamos rezando sempre que podemos”, disse ele, ao lado de Jairo Rabelo Machado, de 67, José Percher da Fonseca, de 71, e Carlos Antônio Marques, de 59Além das orações, os quatro molharam os pés da cruz.

Poucos minutos antes de começar o ritual, José Percher lembrou da seca na nascente do Rio São Francisco“É um rio tão importante

Queira Deus que nada aconteça de mal e que as águas venham logo.” Ao despejar a água, Carlos Antônio disse que é um gesto “dos antigos”E, para mostrar que não é em vão, contou que na tarde de ontem estava chovendo nas redondezasFalou com razãoNa estrada que liga a rodovia BR-381 a Caeté, duas cenas chamavam a atenção: havia fumaça resultante de queimadas por todos os lados e asfalto molhado indicando uma precipitação inesperada.

Vandelin Macedo, Jairo Roberto, José Percher e Carlos Antonio rezam baixinho antes de molhar a cruz - Foto: Juarez Rodrigues/EM/DA Press

PIEDADE Em várias igrejas da Grande BH, os padres rezam durante as missas pedindo a intercessão de Deus para chover, atendendo a solicitação de fazendeiros e moradores do meio urbanoO titular da Paróquia de Nossa Senhora das Graças, no Bairro Concórdia, em BH, padre Nivaldo Magela de Almeida, diz que práticas como molhar o cruzeiro fazem parte da “piedade popular”Segundo ele, trata-se de um ato legítimo, que junta fé e um gesto de oração.

O padre disse ainda que as rezas pedindo chuva estão presentes no missal (livro de missa) e no ritual de bênçãos, que se refere ao reconhecimento “do que nos é dado por Deus”Nas orações, acrescenta, solicita-se que Ele providencie o que é necessário para a vida na terra, como a chuva e as sementes“Esse comportamento é mais típico do meio rural e das cidades do interior, onde as pessoas estão mais em contato com a naturezaNas cidades grandes é diferente, ninguém tem tempo, está mais acostumado com a água encanada.

Para quem já não aguenta mais a falta de chuva, padre Nivaldo ensinou um trecho da oração da missa para chamar a chuva“Deus, em quem vivemos, nos movemos e somos, concedei-nos as chuvas necessárias para que, auxiliados quanto aos bens da terra, desejemos com mais confiança os do céu”
Ele explicou que a reza é para pedir o bom tempo, embora haja também orações para reprimir as tempestades fortes.