Quatro dias de fogo, muita devastação e apreensão deixam evidente uma realidade com que os vizinhos da Serra do Curral se deparam ano após ano: Belo Horizonte ainda não encontrou a fórmula para proteger seu símbolo natural, nem os cidadãos que vivem nas proximidadesAs chamas que desde domingo se alastravam pelo maciço, na altura da Região Centro-Sul da capital, não só destruíram fauna e floraO incêndio, que teve seu pior momento na terça-feira, expôs a vulnerabilidade recorrente do principal cartão-postal da cidade em períodos de seca prolongadaDepois do momento mais crítico, as labaredas foram controladas, mas ontem voltaram a desafiar bombeiros e brigadistas durante toda a tarde, quando novos focos foram combatidos próximo à Mineradora Magnesita – onde o fogo teria começado.
Parte da área do maciço foi transformada no Parque Serra do Curral, com plano específico de manejo e equipamentos de prevenção e detecção de incêndio, mas o restante do complexo montanhoso não tem infraestrutura que o protejaCom isso, a cada ano o fogo ameaça também a unidade de conservação nas montanhas que emolduram as porções Sul e Leste BH, detentoras dos títulos de símbolo da cidade e de patrimônio tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan)O último incêndio é um dos maiores que atingiram a serra desde 2011, quando as labaredas duraram três dias.
Na avaliação de especialistas, faltam investimentos para instalação de equipamentos, além de brigadas públicas específicas para controlar focos nas áreas limítrofes à unidade de preservaçãoDe acordo com o chefe do Departamento de Parques da Área Sul de Belo Horizonte, André Funghi, são necessários hidrantes em pontos espalhados da serra, além de outros equipamentos, como caminhões-pipa e canhões d’água, e mais funcionários preparados para atuar especificamente no combate“Com os hidrantes em pontos estratégicos, os bombeiros poderiam engatar mangueiras e abastecer os caminhões-pipa mais perto dos focos”, afirma.
Como a estrutura não existe, equipes que enfrentavam as chamas ontem se viram às voltas com a necessidade de o caminhão-pipa deixar a área de combate para reabastecer“Na noite de terça-feira, a água de um caminhão acabou e ele teve que ir até a portaria do Parque das Mangabeiras, na Rua Caraça, onde havia um hidrante”, disse a tenente Andréa Coutinho Martins, do 1º Batalhão de Bombeiros, responsável pelas equipes empenhadas no trabalho de ontem.
Segundo ela, o relevo acidentado e montanhoso, as altas temperaturas e a baixa umidade relativa do ar foram as causas da propagação rápida do fogo“Há incêndios por todos os lados nesta época e o efetivo tem que estar em outros lugaresNão podemos deslocar todos os militares para cá”, disse
O chefe dos Parques da Área Sul de BH, André Funghi, reconhece que a instalação dos canhões d’água é complexa, porque a área que pegou fogo é acidentada, mas ressalta a importância do equipamentoSegundo ele, os mecanismos que funcionam no topo da Serra do Curral, dentro da área do parque, jogam água no lado que cerca o Bairro Mangabeiras, mas só atingem um terço do paredãoDe acordo com a assessoria da mineradora Vale, que instalou os aparelhos em 2002, há 16 canhões no topo do maciço.
Combate
Na tarde de ontem, 12 brigadistas do Instituto Terra Brasilis, juntamente com 18 bombeiros, ainda trabalhavam no rescaldo e no controle dos focos reacesos na área da MagnesitaEm solo, o combate foi feito com bombas costais, com cerca de 25 litros, e abafadores“É um serviço desgastante, que envolve um esforço físico grande”, afirmou a tenente Andréa MartinsApesar da mobilização, que também contou com dois aviões e dois helicópteros, as chamas novamente chegaram próximo a moradias dos bairros Belvedere e Sion, na Região Centro-Sul, obrigando novamente a desocupação da escola da Fundação Torino.
Durante todo o dia de ontem, moradores e pessoas que trabalham perto dos focos fizeram faxina para retirar a fuligem espalhada pelas chamasAs labaredas chegaram até o muro da casa do produtor audiovisual Guilherme Freitas Jaber, de 35 anosA família passou à noite em claro e chegou a pensar em fugir“Era muita fuligem e fumaça entrando por todos os lados”, disse
Sinal de alerta
O que falta para ajudar a prevenir queimadas na Serra do Curral
Criação de um plano especial de combate
Instalação de hidrantes
Mobilização de caminhões-pipa preparados para atuar no combate dentro e no entorno dos parques (em BH são apenas dois veículos para 72 unidades de conservação)
Compra de outros equipamentos específicos de prevenção e combate
Estudos para definir outras alternativas, como criação de reservatórios de água da chuva que possam ser usados em casos de emergência
Formação de uma brigada pública específica para atender aos chamados de incêndios nos parques e nas áreas do entorno
Educação ambiental da população