Um ano e três meses depois das manifestações realizadas na Copa das Confederações em Belo Horizonte, a maioria dos suspeitos de vandalismo e outros crimes detidos pela polícia permanecem soltos e sem prazo para uma decisão da Justiça. O mesmo ocorre com os presos nos protestos de 7 de setembro do ano passado e na Copa do Mundo deste ano.
Outros dois inquéritos, com um total de 27 indiciados depois do protesto de 7 de setembro de 2013, também continuam sem conclusão. Um deles, com participação de 11 pessoas acusadas de usar táticas black bloc, tramita na 7ª Vara Criminal e a primeira audiência de instrução e julgamento foi adiada para aguardar produção de provas. A Polícia Civil pediu a prorrogação de prazo para outro inquérito envolvendo 16 pessoas para concluir as apurações.
Para a delegada da Regional Leste, Gislaine de Oliveira Rios, a maior dificuldade para conclusão dos inquéritos é a identificação dos autores dos crimes. “Muitos deles estavam com o rosto coberto e é muito difícil apurar. Até então, não existia a lei que proíbe o uso das máscaras em manifestações”, disse. No episódio em que um carro da Polícia Civil foi depredado no pátio do Detran da Avenida João Pinheiro, em 12 de junho deste ano, Gislaine conta que, dos 10 envolvidos, apenas cinco foram identificados. A delegada esclarece que o prazo legal para conclusão do inquérito é de 30 dias, quando não houver presos, e de 10 dias, quando houver. “A gente pode pedir a prorrogação do prazo pelo tempo que for necessário, mas temos que justificar a razão para a Justiça e as investigações que ainda faltam”, disse Gislaine.
Indiciamentos Segundo a Polícia Civil, no ano passado foram identificados 220 suspeitos e todos foram acusados de acordo com a participação nas ocorrências. Ao todo, 102 adultos foram indiciados por crimes de furto, roubo, incêndio, formação de quadrilha, dano ao patrimônio, lesão corporal, corrupção de menores, roubo ou pichação. Além desses, 33 adolescentes foram apreendidos. São autos de prisão em flagrante, termos circunstanciados de ocorrência, autos de apreensão em flagrante de ato infracional e cumprimentos de mandados de prisão que foram encaminhados à Justiça. “A maioria dos envolvidos nos crimes é classe média, sem antecedentes criminais. São estudantes que moram com os pais”, disse a delegada, ressaltando que poucos acusados são reincidentes.
A Polícia Civil não apurou possíveis relações dos suspeitos com partidos políticos. “Alguns manifestantes seguravam bandeiras vermelhas, mas eles não estavam diretamente depredando”, afirmou a delegada. Segundo ela, houve participação de pessoas que usaram táticas black bloc nas ocorrências do ano passado, principalmente no protesto de 7 de setembro, inclusive de outros estados.
O inquérito contra sete pessoas presas em 12 de junho deste ano, no início da Copa do Mundo, também não foi concluído. Um dos presos em flagrante foi a pernambucana Patrícia Dias Dantas, acusada de participar da destruição de uma viatura da Polícia Civil no Detran-MG da Avenida João Pinheiro. A jovem foi indiciada pelos crimes de dano ao patrimônio e associação para o crime, mas também foi solta. Segundo a Polícia Civil, o inquérito está em fase de identificação de outros cinco envolvidos no episódio.
Raul Soares Também em 12 de junho deste ano, foram presos Karine Kênia da Silva e Fernando Senhorinha Rinaldi, acusados de depredação nas imediações da Praça Raul Soares. O inquérito foi concluído e encaminhado à Justiça. O casal foi indiciado por crime contra o patrimônio, associação para o crime e corrupção de menores, pois teriam agido acompanhados de adolescentes. Na época, Fernando pagou fiança e foi solto. Kênia também está em liberdade, segundo o Fórum Lafayette.
Também foram autuados em flagrante Karinny de Magalhães Rocha Rodrigues, que na época foi levada para o Ceresp Centro-Sul e liberada, e Henrique de Souza Dutra e Rhuan Joseph Campos dos Santos, levados para o Ceresp Gameleira. Eles foram acusados de danos ao patrimônio público, entre outros crimes. O médico Bruno de Almeida, de 27, o engenheiro Leandro Rios de Faria, de 28, e a enfermeira Kátia Santos Dias, de 27, foram ouvidos e liberados, mas permaneceram monitorados pelo serviço de inteligência da Polícia Civil, que pediu depois a prisão preventiva deles. Segundo a Polícia Civil, o inquérito ainda não foi concluído, pois é investigada a participação de Rhuan, Henrique e Karinny no crime de dano ao patrimônio público e privado. “Os três suspeitos chegaram a ser presos em flagrante, mas conseguiram alvará de soltura no dia seguinte”, informou a Polícia Civil.
Audiências no ano que vem
Dois acusados de danificar e furtar lojas no Centro de Belo Horizonte, durante manifestações, têm audiências de instrução e julgamento marcadas para o ano que vem. A audiência de Lucas Jerônimo Alves, acusado de furto qualificado, está prevista para 28 de maio de 2015. Por sua vez, Ricardo Augusto Bernardino de Jesus, que responde a processo na 8ª Vara Criminal do Fórum Lafayette acusado de roubar celulares e outros objetos e duas lojas que tiveram a fachada destruída pelos vândalos, tem audiência marcada para 19 de agosto.
O advogado Thales Augusto Nascimento Biote, do Coletivo Margarida Alves, que defende manifestantes em vários processos, disse que seus clientes foram separados em dois grupos, os que respondem por crimes contra a administração pública (desobediência, desacato e resistência) e por danos ao patrimônio. “Esse tipo de processo realmente é mais devagar e não pode ser conduzido a toque de caixa. Está em jogo o bem mais importante da pessoa, que é a liberdade”, diz. “Na maioria dos casos, a polícia não conseguiu provar a autoria dos crimes. É muito comum o policial se sentir desrespeitado e prender a pessoa por desobediência e desacato”, acrescentou Thales, que defende a inocência dos seus clientes.
A assessoria de imprensa do Fórum Lafayette informou que a maioria das ocorrências envolvendo manifestações foi resolvida de imediato por meio de transação penal, quando possíveis processos criminais são substituídos por medida alternativa, como pagamento de multas e prestação de serviços gratuitos à comunidade. Segundo o Fórum, a prioridade para marcação das audiências é para os processos que têm os réus presos, por exigência legal. Havendo possibilidade, o juiz pode antecipar os julgamentos.