Luiz Ribeiro
Além da estiagem prolongada, o Rio São Francisco e afluentes em Minas sofrem mais este ano com a captação e uso ilegal de recursos hídricos e outras atividades degradantes. Levantamento da Polícia Militar de Meio Ambiente mostra que o número de autos de infração por exploração irregular de recursos hídricos registrados de janeiro a agosto de 2014 apenas no Alto São Francisco, região próxima à nascente que secou no Parque Nacional da Serra da Canastra, quase se iguala ao total registrado em todo o ano passado, com média mensal de casos superior. As ocorrências envolvem desde irrigação de lavouras até uso irregular de água para lazer e preocupam o Ministério Público, que promete abrir procedimentos de investigação.
O valor das multas aplicadas por irregularidades no uso de recursos hídricos também cresceu no Alto São Francisco: R$ 268,6 mil de janeiro a agosto de 2014 contra R$ 183,7 mil em todo o ano passado. A Polícia Militar de Meio Ambiente informou que encaminha os boletins de ocorrências mais graves para o Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam), responsável pela cobrança das multas e por adotar outras providências. Este ano, 51 boletins de ocorrência foram enviados pela PM ao Igam no Alto São Francisco, contra 46 de todo o ano passado.
Segundo a Polícia Militar de Meio Ambiente, entre as autuações mais comuns no Alto São Francisco estão captação em poços tubulares, córregos, rios e açudes sem outorgas; desvios parciais ou totais de recursos hídricos; atividades de dragagem mineral, limpeza e desassoreamento de curso d’água sem autorização do órgão ambiental; e construção de canais de drenagem para desencharcar “áreas brejosas”. Este último tipo de irregularidade pode provocar grande degradação porque leva à destruição de veredas, locais das nascentes.
“As irregularidades praticadas na captação e uso de água vão desde a retirada de água para irrigação sem a devida outorga a barramento de rios ou córregos para desviar a água para outros fins, incluindo atividades de lazer, como pesque-pague, prejudicando moradores”, diz um policial militar de meio ambiente que trabalha em uma cidade às margens do Rio São Francisco, no Centro-Oeste mineiro, e que preferiu não se identificar. Segundo o militar, a irregularidade envolvendo pesque-pague foi flagrada recentemente depois de uma denúncia contra um proprietário de terras, que desviava o curso de um córrego para encher tanques. Policiais foram até o local e interditaram o empreendimento, que não tinha licença para funcionar.
Por meio de nota, a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável informou que a Polícia Militar de Meio Ambiente integra o Sistema Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Sisema) e que tem “competência para fiscalizar e autuar empreendimentos e pessoas que realizem infrações ambientais e remeter ações e decisões (boletins de infração e autuação) à subsecretaria de Controle e Fiscalização Ambiental Integrada da Semad para a condução”.
Consequências graves
O promotor Francisco Chaves Generoso, coordenador da Promotoria Especializada do Rio São Francisco em Divinópolis, disse que o aumento dos casos de retirada em excesso de água ou sem outorga nos pequenos rios e córregos e na calha principal do São Francisco é preocupante, porque pode resultar em consequências graves, como a redução do volume de água e o secamento dos mananciais. “Historicamente, a Bacia do Rio São Francisco sofre um processo de destruição por conta do desmatamento de suas margens e ausência de saneamento básico nos municípios ribeirinhos. Essas agressões, aliadas às consequências do momento da estiagem, fazem com que o rio esteja numa situação dramática”, afirma o promotor, que responde por municípios do Alto São Francisco.
Ele reconhece que, em períodos críticos da seca, diante da redução do volume de recursos hídricos, os casos de captações irregulares aumentam. Mas garante que o Ministério Público (MP) está atento. “Muitas vezes, as pessoas fazem as captações de água sem ter a outorga, à margem da lei e à revelia dos órgãos ambientais. Estamos atentos para abrir procedimentos investigatórios”, afirma. “A retirada de água em excesso de um rio, seja para a irrigação ou outro fim, sem o conhecimento dos órgãos ambientais, sem saber se o manancial suporta a captação, pode levar ao colapso de uma microbacia ou de uma bacia”, acrescenta. O promotor recomenda que a população fique vigilante e denuncie problemas aos órgãos ambientais e ao MP.