Jornal Estado de Minas

Improvisos são responsáveis por transtornos frequentes no Anel Rodoviário

Nessa quarta, caminhão sem controle atinge passarela provisória, invade a contramão e para a rodovia em que são constantes as obras paliativas, à espera da revitalização sempre adiada

Guilherme Paranaiba Valquiria Lopes

Com sequência de batidas que fechou totalmente as pistas, engarrafamentos se espalharam por vários pontos de BH. Liberação total só ocorreu às 18h30 - Foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A.Press


O caminho de improvisos em que se transformou o Anel Rodoviário de Belo Horizonte desde que a via deixou de ser apenas uma opção rodoviária e foi absorvida pelo tráfego urbano resultou nessa quarta-feira em mais um dia caótico na pista mais movimentada da cidadePor volta do meio-dia, um caminhão que seguia no sentido Rio de Janeiro bateu na mureta que divide as pistas, invadiu a contramão e derrubou o escoramento central da passarela provisória posicionada a alguns metros do Viaduto São Francisco, que faz o cruzamento sobre a Avenida Antônio Carlos, na Região da PampulhaDepois de atravessar a via, o caminhão foi atingido por um Fiat Fiorino e dois outros veículos se envolveram no desastreA passarela de aproximadamente oito toneladas não desabou, mas, como vários pedaços de ferragem ficaram pendurados, o tráfego permaneceu fechado por quase sete horas, causando um engarrafamento quilométrico, com reflexos nos principais corredores da cidadeCom média de quase nove acidentes registrados diariamente nos últimos anos, a rodovia é constantemente palco de tragédias, em um quadro que parece longe do fim.


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A passarela atingida nessa quarta-feira, por exemplo só foi construída por determinação da Justiça Federal, no local em que é intensa a travessia de pedestresO trecho tem longo histórico de mortes por atropelamento e também de protesto organizados por moradores, exigindo segurança para cruzar a rodoviaO Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) instalou a passagem de forma provisória, pois sustenta que a solução definitiva só será implantada com a revitalização completa do AnelO projeto de reforma, no entanto, se arrasta há anos e, atualmente, está sendo elaborado pelo Departamento de Estradas de Rodagem de Minas Gerais (DER-MG)Não há perspectiva para início das obras.

No local do acidente há ainda outro problema cuja solução aguarda a reforma do Anel, e que pode ter colaborado para o desastre de ontemA poucos metros do ponto onde o caminhão se desgovernou e invadiu a contramão, há um afunilamento que, diariamente, gera retenção no fluxo de veículosOs motoristas que seguem por três faixas  são surpreendidos pelo fim da pista da direita, já que o viaduto foi projetado para apenas duas faixas

Uma das versões para o acidente de ontem dá conta de que o caminhoneiro teria perdido o controle da direção ao se deparar com a retenção.

 
Veículo invadiu a contramão, arrastou carros e ainda esbarrou na estrutura metálica sobre o Viaduto São Francisco - Foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A.PressMAQUIAGEM Para o professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Ronaldo Guimarães Gouvêa, especialista em tráfego urbano, a mistura de um trânsito de passagem, com caráter rodoviário, e do tráfego local, somada às “maquiagens” que são feitas constantemente na via, são responsáveis por todo o transtorno“O Anel Rodoviário representa hoje o descaso do poder público com o planejamento estratégico do sistema viário da Região Metropolitana de Belo HorizonteQuando tivermos a revitalização da via, com o complemento da parte leste e um rodoanel de qualidade, boa parte dos problemas de tráfego da capital estará resolvida.”

O estrangulamento do trânsito nos elevados é apontado pelo comandante do Batalhão de Polícia Militar Rodoviária (BPMRv), major Cássio Soares, como causa de acidentes registrados perto do Viaduto São Francisco“O afunilamento do tráfego é diário e constante, porque de três faixas, os motoristas se deparam com duasMuitos se assustam com a fila de carros parada à frenteOu porque não conseguem frear ou para tentar desviar, acabam se envolvendo em acidentes”, afirma o major, reforçando que o problema precisa ser corrigidoApesar da redução do número de acidentes entre 2012 e 2013, passando de 3.306 para 3.201, a quantidade de mortes na rodovia aumentou 12,9% no mesmo período (de 31 para 35), puxada pelo principal desafio das autoridades na via, os atropelamentosForam 11 mortes por essa razão em 2012 contra 17 em 2013, aumento de 54% no período.

O ACIDENTE
Na batida de ontem, quatro veículos foram envolvidos, um deles o caminhão Mercedes placa OEO 2128, que vinha da cidade de Lagarto (SE), com destino a Santos (SP)O motorista e a mulher dele escaparam ilesosJá o condutor do Fiat Fiorino, Tiago Gonçalves Guerra, de 27, que seguia em direção a Vitória, ficou ferido ao ser atingido pelo veículo de carga

Socorrido pelo Samu, ele foi levado para o Hospital de Pronto-Socorro João XXIII com um corte profundo na testa e escoriações nas mãosTiago passaria a noite em observação no setor de Neurologia, mas seu estado de saúde era estável

Também saíram ilesos do acidente o motorista do Fiat Palio, Roberto Pereira Neves, de 32, que teve seu carro atingido por blocos de concreto, e a motorista de um Ford Ka que seguia atrás do caminhão, Fabíola Dantas dos Santos, de 34 anos

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Um acidente, várias versões


Motoristas envolvidos no acidente no início da tarde de ontem, no Anel Rodoviário, apresentaram versões controversas à Polícia Militar Rodoviária (PMRv) para explicar a dinâmica da batidaO caminhoneiro José Alves dos Santos, de 67 anos, disse que seguia de Sergipe, de onde saiu na segunda-feira, em direção a Santos, em São PauloNo caminhão, ele carregava produtos nordestinos que vende semanalmente em uma feira na cidade paulistaEm sua versão, José defende ter sido fechado por outro veículo, que seguia à sua direita e teria guinado repentinamente à esquerdaPorém, restemunhas contaram aos policiais que o caminhoneiro dirigia em alta velocidade e que pode ter perdido o controle do caminhão ao tentar desviar da lentidão no fluxo de carros adianteA retenção, registrada diariamente, é causada pelo afunilamento da pista na altura do Viaduto São FranciscoDepois de bater na mureta central, o caminhão passou para o outro lado da rodovia e atingiu um FiorinoOs destroços da mureta pegaram, ainda, em um Fiat Palio.

Uma das testemunhas foi o vendedor Renato Francisco, de 34, que quase foi atingido pelo caminhãoEle tinha acabado de atravessar a passarela e aguardava o ônibus para voltar para casa, no Bairro Jardim Vitória“Estava debaixo da passarela, no sentido Vitória, aproveitando a sombra, porque o sol estava forteDe repente, ouvi um estrondo e vi o Ford rodando no asfalto, do outro lado da rodovia (sentido Rio), e o caminhão atravessando a mureta e vindo na minha direção”, contou RenatoO homem diz que, imediatamente, começou a correr e, de perto, viu o caminhão parar na contramão do Anel“Ele estava em alta velocidade, porque o impacto foi muito forte”, afirma.

INVASÃO Ao prestar informações à polícia, o motorista chegou a afirmar ter sido fechado pelo Ford Ka, também envolvido no acidenteJá a condutora do carro de passeio Fabíola Dantas, de 34, diz que foi surpreendida pelo caminhão invadindo a faixa central, por onde ela trafegava“O caminhão entrou de uma vez na minha frenteCom o susto, perdi o controle da direção e bati na muretaNão fui eu quem o fechou”, garante.

Peritos da Polícia Civil estiveram no local para colher indícios sobre as causas do acidente, que será encaminhado para a Delegacia de Acidentes de Veículos (DAV)Em consequência do ocorrido, o trânsito ficou completamente fechadoPor volta das 17h, um desvio foi feito sobre um canteiro central no sentido Vitória, enquanto o outro lado passou toda a tarde parado.

No fim da tarde, um caminhão munk foi usado para apoiar a parte central da estrutura e técnicos terceirizados pelo Dnit trabalhavam para refazer o escoramento sobre a muretaA passarela passou por nova vistoria da Defesa Civil, para atestar que não havia risco de queda e o trânsito pôde ser liberado, o que ocorreu às 18h30Os trabalhos de desmontagem da estrutura metálica começaram ainda na madrugada de hoje(VL)