Cada vez mais o skate estará presente nas cenas urbanas de Belo Horizonte. Cerca de R$ 1 milhão foi investido pela prefeitura na pista de half-pipe (em formato de U) no Parque das Mangabeiras, uma das mais modernas da América Latina. “BH tinha parado na década des 1980 sem investimento no esporte, perdendo praticantes. O skate sobreviveu graças aos mais fissurados, que não deixaram a chama apagar”, comenta o skatista Cleiber Alessandro Silva, de 42, o Binha – representante mineiro da Confederação Brasileira do Skate.
Consultor técnico de skate, Binha garante que outras três pistas no formato bowl (piscina) já estão em fase de inauguração no Parque Lagoa do Nado, na região de Venda Nova. Ele aposta que, em cinco anos, a nova geração de skatistas mineiros estará formando campeões. “Aqui tem o mínimo que a gente precisa, mas os skatistas da cidade vão arrebentar”, acredita ele, lembrando que o Rio de Janeiro tem mais pistas de skate, por exemplo. Segundo Binha, o skate poderia ser uma vocação natural da cidade sem praia, por não concorrer com o surfe e outros esportes radicais à beira-mar.
Em Contagem, na Grande BH, a situação ainda é precária. Por falta de uma pista oficial, os skatistas improvisam obstáculos na Praça da Jabuticaba. “Só precisaria de algumas adaptações. Cansamos de batalhar junto à administração municipal”, protesta Hygor Maia, de 35. Ele conta que, depois que retomou o skate, após uma década parada, foram embora as dores, tristezas e a solidão. “Acertar uma manobra difícil rende uma semana de felicidade ou até mais”, jura.
Primeira geração Primeira pista da capital, o Bowl do Parque Julien Rien, no Bairro Anchieta, foi projetada pelo então skatista Alan Magnani, que estava se formando em engenharia civil. Com 57 anos e ainda atuante, Alan e a turma da primeira geração de skatistas de BH tinham o hábito de subir a pé a Avenida Afonso Pena até o alto. Atingiam a Avenida das Agulhas Negras, logo abaixo do Instituto Hilton Rocha, lugar onde quase não havia trânsito. Na época, a loja Elon Esportes patrocinava no lugar a instalação de uma rampa de três metros em plena via, para delírio dos chamados ‘primitivos’. Entre eles estava o próprio Alan, o irmão dele, Bruce, o músico John Ulhoa, da banda mineira Pato Fu, e outros corajosos precursores.
Até o fim do mês, imagens desta história vão estar no clipe de música do novo disco do Pato Fu, além de documentário. Alguns trechos já podem ser vistos no YouTube, com gravações em Super 8 das evoluções dos então garotos, desafiados a inventar as manobras e até o próprio skate. Quando não eram trazidos de fora, importados dos Estados Unidos, os skates podiam ser encontrados em supermercados ou, em último caso, fabricados com as rodas de plástico aproveitadas dos patins.
Alan conta que em 1977, com 18, 19 anos, "caiu na besteira" de seguir com um colega para o Rio de Janeiro, conferir in loco a pista do Bairro Campo Grande. Ficaram uma semana por lá, enlouquecidos. Já retornaram a BH com a ideia fixa de construir uma pista de concreto. Na ocasião, o Parque Julien Rien, perto da casa dele, estava em reforma. O candidato a engenheiro apresentou a papelada com a sugestão e o projeto foi aceito. A pista levou cerca de um ano para ficar pronta. Depois dessa, ele projetaria outras, inclusive um em Sabará. Depois de tanto tempo, a pista do Anchieta foi reinaugurada.
Três perguntas para...
John Ulhoa, Guitarrista, compositor da banda Pato Fu e skatista
1- Com quantos anos você começou com skate?
Aos 9. Isso já faz milhares de anos (risos). Em 1975, posso ter ganhado um skate de presente de Natal. A coisa toda estava sendo inventada, assim como as manobras. Hoje, os skates são verdadeiras obras de arte, de estilo e de atitude de vida.
2- O skate surgiu em função da música?
É o contrário. Só estou na música por causa do skate. Aos 14, 15 anos, comprei uma guitarra para aprender a tocar o som que eu achava que tivesse a ver com o skate. Muitos amigos fizeram a mesma coisa, mas para alguns a música acabou ganhando maior importância. Eu puxava a orelha deles , mandava voltar para o skate. Mas acabou acontecendo comigo também!
3- Foi difícil retomar?
Fiquei 17 anos sem andar. O que me fez voltar foi a inauguração da pista no Parque dos Mangabeiras, que é um lugar legal, mais família e com uma pista mais fácil de andar. É diferente do bowl do Anchieta, que é do tipo moedor de carne e precisa de muito treinamento. Mesmo assim, no início eu andava uma vez e ficava 15 dias morto. Depois, comecei a sair menos morto. Já quebrei ombro e punho, mas o médico disse que o skate está sendo ótimo para a minha saúde – quando não me manda pro hospital. É verdade. O skate é uma espécie de superpoder que eu tinha esquecido que possuía.
Glossário
Skate: carrinho, board
Shape: madeira do skate
Truck eixos: que ficam embaixo do skate
Street: estilo com manobras que usam objetos da cidade como obstáculos
Half-pipe: rampa de skate em formato de tubo cortado ao meio
Bowl: construção de concreto no formato de uma piscina
Freestyle: modalidade do skate praticada no piso sem obstáculos_
Dropar: descer a pista com o skate
Hang up levar um tombo
Ollie: primeira manobra do street, consiste em conseguir tirar o skate do chão.