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Estado de Minas

Nossa história: obra do escritor mineiro Cyro dos Anjos será relançada

Imortal da Academia Brasileira de Letras ocupou importantes cargos públicos no país e morreu há 20 anos


postado em 11/10/2014 06:00 / atualizado em 11/10/2014 06:54

O romancista Cyro dos Anjos, natural de Montes Claros, trabalhou como cronista em jornais de BH(foto: Fotos: Arquivo O Cruzeiro/EM)
O romancista Cyro dos Anjos, natural de Montes Claros, trabalhou como cronista em jornais de BH (foto: Fotos: Arquivo O Cruzeiro/EM)
Escrever muito, publicar dezenas de livros, nem sempre significa fazer literatura de qualidade. O mexicano Juan Rulfo, por exemplo, se imortalizou com apenas dois livros: o volume de contos O planalto em chamas e a novela Pedro Páramo. Raduan Nassar, que é paulista, lançou os romances Lavoura arcaica e Um copo de cólera. Foi o suficiente para se tornar um dos escritores mais celebrados do Brasil. O mesmo ocorreu com o mineiro Murilo Rubião, que, durante a vida, publicou exatos 33 contos, que foi reescrevendo ao longo dos anos. Foi um dos precursores do realismo mágico na América Latina.

Outro mineiro com uma obra relativamente pequena, mas igualmente escritor de mão cheia, foi Cyro Versiani dos Anjos. Imortal da Academia Brasileira de Letras, para a qual foi eleito em abril de 1969, e onde passou a ocupar a cadeira de número 24, que pertenceu ao poeta Manuel Bandeira, ele nasceu em Montes Claros, no Norte do estado, em 5 de outubro de 1906. Em agosto deste ano completaram-se 20 anos da sua morte, ocorrida no Rio de Janeiro, para onde se mudou nos anos de 1940. Todos os livros do escritor, que na década de 1920, quando ainda morava na capital mineira, foi amigo de Carlos Drummond de Andrade, João Aphonsus e Emílio Moura, estão sendo relançados pela Editora Globo.

Formado em direito pela UFMG, em 1932, Cyro dos Anjos chegou a BH no início dos anos 1920 e foi aqui que, em 1937, quando era oficial de gabinete do governador Benedito Valadares, publicou o romance O amanuense Belmiro, com o qual se tornaria famoso. Além dele, no qual narra, na linha machadiana e com fortes ingredientes psicológicos, a vida de um funcionário público na provinciana BH dos anos de 1930, o escritor lançaria dois outros romances: Abdias, em 1945, e Montanha, de 1956. De sua verve viriam ainda um ensaio, A criação literária, de 1954, Poemas coronários, de 1964, e os volumes de memórias Explorações do tempo, de 1963, e A menina do sobrado, publicado em 1979.

Depois foi só silêncio. Em 1981, em depoimento à escritora Edla van Steen, para o livro Viver & escrever (Editora L&PM), Cyro dos Anjos confessou que não escrevia mais. “Aposentei-me inteiramente na ficção. Já era tempo. Escrevi o que tinha para escrever. E convém abrir espaço aos jovens, antes que eles o tomem à força...”. Nessa mesma conversa, o escritor, que entre as décadas de 1920 e 1930, quando ainda vivia em BH, trabalhou nos jornais Diário da Tarde, Diário da Manhã, Diário de Minas, A Tribuna e no Estado de Minas (1934/1935), contou ainda que, como cronista, “ tinha de encher, todo dia, dois palmos de coluna em grifo, corpo oito.” Não era tarefa fácil.

Eleito para a ABL, em 1966, Cyro dos Anjos ocupou a cadeira que pertenceu ao poeta Manuel Bandeira (foto: Fotos: Arquivo O Cruzeiro/EM)
Eleito para a ABL, em 1966, Cyro dos Anjos ocupou a cadeira que pertenceu ao poeta Manuel Bandeira (foto: Fotos: Arquivo O Cruzeiro/EM)
PSEUDÔNIMO
Assinava seus textos com o pseudônimo de Belmiro Borba, nome dado em homenagem ao poeta Belmiro Braga, que, segundo ele, lhe inspirava muita simpatia. Daí também foi surgindo seu personagem mais famoso, o amanuense Belmiro, que daria nome ao romance. “Eu tinha, então, 30 anos, foi o meu primeiro livro, muita coisa borbulhava dentro de mim. Afianço-lhe que, até aquela altura, nunca havia passado pela minha cabeça a ideia de me tornar romancista. Foi o compromisso de escrever uma crônica diária que me levou a esse primeiro livro. Em O amanuense Belmiro procurei retratar um indivíduo, não uma classe. Na classe, o indivíduo se perde, e o que me preocupa é o homem, na sua solidão. Escrevendo à noite, mandando datilografar o manuscrito pela manhã, e retocando à tarde as páginas datilografadas, pude terminar O amanuense Belmiro em dois meses”, disse ainda Cyro dos Anjos a Edla van Steen.

Em 1946, nove anos depois de ter publicado o primeiro romance, que o colocaria no time de ponta da literatura brasileira, Cyro dos Anjos mudou-se para o Rio de Janeiro, onde já vivia o amigo Carlos Drummond de Andrade, ao qual foi ligado durante toda a vida. Na então capital da República, durante o governo do presidente Eurico Gaspar Dutra, foi assessor do Ministério da Justiça e, em seguida, ocupou o cargo de diretor do Instituto de Previdência e Assistência dos Servidores do Estado (Ipase), do qual chegou a ser presidente. Por essa época, colaborou intensamente em diversos jornais cariocas.

Política e universidade

Sempre ligado à política, de tendência conservadora, em 1952, o romancista, a convite do Itamaraty, mudou-se para a Cidade do México, onde passou a dirigir a cadeira de Estudos Brasileiros na Universidade do México. Ficou por lá durante dois anos e, depois, foi para Lisboa, onde ocupou posto semelhante. Foi na capital portuguesa que publicou o ensaio A criação literária. Com o Brasil efervescendo politicamente, em 1955 Cyro dos Anjos voltou para casa e dois anos depois começou a trabalhar como subchefe do gabinete civil da Presidência da República, então ocupada pelo mineiro Juscelino Kubitschek.

Com a transferência da capital para Brasília, em 1960, o escritor mudou-se para lá, onde passou a exercer as funções de conselheiro do Tribunal de Contas. Participou também da comissão designada pelo presidente João Goulart para a criação da Universidade de Brasília (UnB) e, nessa missão, trabalhou ao lado do também montes-clarense Darcy Ribeiro. Depois de inaugurada a universidade, foi coordenador do Instituto de Letras, professor titular e coordenador de um curso de oficina literária da UnB.

No Distrito Federal ficou até 1976, quando se aposentou e voltou a residir no Rio de Janeiro, de onde não mais saiu. Depois de sua morte, em agosto de 1994, sua coleção bibliográfica, constituída por 2.117 exemplares, e coleção documental, foi doada pela família ao Acervo dos Escritores Mineiros – Centro de Estudos Literários e Culturais da Faculdade de Letras da UFMG, onde se encontra atualmente.


Linha do tempo

1906 –
13º filho do casal Antônio dos Anjos e Carlota Versiani dos Anjos, Cyro nasce em Montes Claros, no Norte de Minas, onde passa a infância e a adolescência

1923 – Vem para BH e se forma em direito pela UFMG. Nesse período, conheceu o poeta Carlos Drummond de Andrade, de quem ficou amigo
 
1934 – Depois de trabalhar em vários jornais na capital mineira, ingressou no Estado de Minas, do qual se tornou cronista

1937 – Publica O amanuense Belmiro, que se tornaria o seu romance mais famoso e no qual narra vida de um funcionário público na BH dos anos de 1930

1946 – Vai para o Rio de Janeiro, onde fica alguns anos. Muda-se para o México e Portugal, até voltar ao Brasil durante o governo JK, com o qual segue para Brasília

1969 – É eleito para a Academia Brasileira de Letras, na qual passa a ocupar a cadeira de número 24, que pertencia ao poeta Manuel Bandeira

1994 –
Morre no Rio de Janeiro, onde voltou a viver depois da aposentadoria, ocorrida em 1976. Estava com 87 anos e já não escrevia mais


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