Jornal Estado de Minas

Verba para tratar esgoto vai pelo ralo e poluição aumenta no Rio São Francisco

Enquanto o Velho Chico recebe descargas in natura, investimento de quase R$ 20 mi se perde em estações de tratamento inoperantes, que estão se deteriorando em três cidades

Jorge Macedo - especial para o EM
Mateus Parreiras e Luiz Ribeiro
Enviados especiais


Ete de Iguatama, que custou R$ 7 milhões, nunca processou um litro de detritos. apesar do abandono, luzes ficam acesas à noite - Foto: Leandro Couri/EM/D.A Press


Buritizeiro, Iguatama e Pirapora – Os tanques que deveriam receber e tratar o esgoto produzido por 92 mil pessoas estão tomados por mato crescido e comprometidos por rachadurasOutros nem sequer foram construídosSem purificação, os dejetos de casas e comércio de Iguatama, no Centro-Oeste mineiro, Buritizeiro e Pirapora, no Norte do estado, são despejados diretamente no Rio São Francisco, cuja poluição se torna mais concentrada nesta época, devido às águas rasas, fruto da seca prolongadaIsso ocorre porque as estações de tratamento de esgoto (ETEs), que deveriam ser implantadas nessas cidades como parte do Programa de Revitalização do Rio São Francisco, estão abandonadasComo mostrou o Estado de Minas na edição de ontem, como essas, outras ações do programa estão sendo paralisadasOs recursos encolheram 68,4% nos últimos três anos, de R$ 363 milhões, em 2012, para R$ 115 milhões, neste ano, segundo dados da Controladoria-Geral da União (CGU)Agora, os repasses estão suspensos e o programa é reavaliado.

Situação que se agrava diante da constatação de que parte do que foi feito não funciona e que a transposição, que vai retirar recursos hídricos do manancial para o semiárido nordestino, continua a todo vapor, aumentando em 47% seus recursos no mesmo período de três anosAo todo, nesses projetos sanitários parados, a Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e Parnaíba (Codevasf) investiu R$ 19,6 milhões

O matagal que cresce entre tanques, encanamentos, válvulas e edifícios, que já serviu até de pastagem para cabras, encobre estruturas da ETE de Iguatama, uma obra de R$ 7 milhões que deveria tratar o esgoto da cidade de 8.200 habitantes desde 2011, quando foi inaugurada pela CodevasfPorém, pela planta de saneamento jamais passou nem sequer um litro do esgoto do município, que continua a ser despejado  menos de um quilômetro adiante, no leito do São FranciscoOs dutos e registros que foram montados já apresentam ferrugem e trincas


Às cenas de abandono se soma outra forma de desperdício de dinheiro, já que as luzes da ETE ficam acesas dia e noite, mesmo sem qualquer atividadeMais grave ainda em uma época em que várias cidades da região tentam economizar água e energia, por causa da estiagem que atinge os principais mananciais que sustentam hidrelétricas, como o próprio São Francisco.

REVOLTA Iguatama é um caso emblemático, por ser a primeira cidade cortada pelo São Francisco em seu trajeto de 2.700 quilômetros por Minas Gerais, Bahia, Pernambuco, Alagoas e SergipeA população da cidade cobra o funcionamento da ETE, até porque enfrentou muitos transtornos na época em que a implantação da drenagem sanitária esburacou e interditou as principais vias da cidade“Foi uma sem-vergonhice a construção dessa ETEA gente vê de um lado o rio morrendo, seco, cheio de bancos de areia, do outro esse edifício que custou milhões, se acabando, e o esgoto da cidade emporcalhando a águaÉ revoltante”, critica o empresário e fazendeiro de Iguatama Osvander Vieira Simões.

“Reduziram o Programa de Recuperação do São Francisco à construção de estações de tratamento de esgoto que não funcionamMuitas não são feitas de acordo com as normas da CopasaOutras apresentaram erros de engenharia”, afirma o professor Apolo Heringer Lisboa, coordenador do Projeto Ambiental Manuelzão, de conservação do Rio das Velhas, principal afluente do Velho ChicoEle também alerta que, na elaboração dos projetos de revitalização, foi considerada apenas a calha principal“É preciso recuperar os afluentes e recuperar as nascentes
O São Francisco é filho dos afluentes e das nascentes, e não paiPara se revitalizar uma bacia é preciso que o rio seja levado em consideração como um ecossistema”, acrescenta

O biólogo Rafael Resck, mestre em recursos hídricos, afirma que o tratamento dos esgotos é a medida mais urgente em uma revitalização de bacia“Hoje, esse é o pior problema para o São FranciscoA emissão de esgotos é proporcional à população, que está aumentando, mas a vazão do rio só vem sendo reduzidaIsso torna os resíduos mais concentrados e compromete a qualidade dos recursos hídricos”, explicaO especialista afirma que a poluição torna a água imprópria para uso na agricultura, pecuária, pesca e ainda afeta a saúde da população“Águas muito poluídas por esgotos são ambientes de proliferação de bactérias que transmitem doençasOs nutrientes e o material orgânico que chegam com o esgoto possibilitam o aparecimento de algas tóxicas para o homem, como as cianobactérias”, alerta.

Vídeo mostra a estação de tratamento abandonada em Iguatama


 

 

Custo sem benefício

Como deveriam operar as ETEs que estão abandonadas em Iguatama (foto), Pirapora e Buritizeiro

O esgoto bruto chega da rede sanitária das ruas por meio de dutosGrades fazem a primeira filtragem, retendo sólidos grosseiros

O esgoto passa por um tanque de concreto retangular onde processo mecânico faz com que a areia assente, para ser removida

Um tanque primário, que funciona como uma fossa séptica, permite a deposição do material mais pesado no fundoO restante flui para outro tanque, chamado decantador, onde o restante do material em suspensão se acumula, formando lodo na base

O esgoto previamente filtrado chega às lagoas anaeróbias, onde o restante de dejetos também desce para o fundo do reservatório e as impurezas são digeridas por colônias de bactérias e algas

Dependendo do tipo de contaminação do esgoto, outros reservatórios podem ser necessários,
     como lagoas de maturação, estabilização, aeradas e processos de filtragem mais sofisticados

A água resultante desses processos retorna purificada para os mananciais

Fonte: Feam