Carmo do Cajuru, Divinópolis, Ibiaí, Piumhi e Sabará – As águas turvas e densas de sujeira do Rio das Velhas na Grande BH correm por entre ilhas de lixo doméstico e carregam um odor forte, característico da alta concentração de dejetos. Mas, entre ratos, urubus e outros animais que revolvem os descartes às margens do manancial que, quilômetros acima, abastece Belo Horizonte, há quem se arrisque a atravessar pelo leito desse que é o maior afluente do Rio São Francisco, com 800 quilômetros de extensão. Em Sabará, o primeiro centro urbano por onde passa o Velhas na região metropolitana, com 134 mil habitantes, a seca encorajou muitos moradores de comunidades ribeirinhas a arriscar a saúde para encurtar a caminhada. Para não terem de ir a passarelas e pontes para cruzar o rio, eles acabam enfiando os pés na água contaminada. A cidade é uma das principais poluidoras do curso d’água e aguarda recursos do Programa de Revitalização do Rio São Francisco para melhorar sua rede de esgoto, tratamento de lixo e conservação de recursos hídricos, mas, como outros municípios, sofre com o corte de verbas da União. Nos último três anos, os repasses destinados a ações do programa federal para prefeituras caiu 85,3%, de R$ 86.325.662,72, investidos em 2012, para R$ 12.717.441,66, neste ano, segundo dados da Controladoria-Geral da União (CGU). Em Minas Gerais, que detém mais de um terço da bacia, onde o rio nasce e recebe seus principais afluentes, o corte de repasses chega a 85,2%, caindo de R$ 52 milhões para R$ 7,7 milhões no mesmo período.
Para os municípios mineiros, a realidade é ainda mais cruel nesta estação de estiagem prolongada que reduziu o Velho Chico em níveis alarmantes. Sem verbas, prefeituras de cidades da bacia não têm como contribuir e tratar suas águas. Sem dinheiro para mudar a realidade, conviver com a imundície passa a ser algo corriqueiro em muitas dessas cidades.
Na Vila Beira Rio, em Sabará, a travessia a pé do Rio das Velhas é comum. “Tem muita gente que se acostumou com a sujeira do rio. Eu tento falar para meus filhos que não foi sempre tudo imundo assim. Mas é difícil crescer ao lado de uma água poluída e pensar que já foi um rio limpo, que não fedia”, conta a costureira Cleonice Cristina Inácia, de 37 anos, que nasceu na vila vendo o Velhas ser morto aos poucos. “Antes, as pessoas ainda nadavam, mas tinham muitas doenças de pele e feridas, por causa da poluição. Hoje, com a seca, voltaram a atravessar pela água”, diz. A última vez que o município recebeu verbas federais para cuidar da revitalização foi em 2012, quando R$ 220 mil foram repassados pela União para investimentos em “desenvolvimento institucional para a gestão integrada de resíduos sólidos”.
Na prática, isso significaria implantar ampla coleta seletiva de lixo, que até hoje não funciona. Enquanto isso, impactos significativos continuam matando o rio, como a dragagem de cascalho do leito. “Nunca mais tivemos verbas e ainda convivemos com o esgoto de BH, que é lançado nos ribeirões Arrudas e Onça, e chega ao Rio das Velhas. Essas dragas também tinham de ser paradas. Quando a ponte antiga da cidade caiu, em 2008, aquilo ocorreu por causa das voçorocas (erosões pela remoção de cascalho) causadas pelas dragas”, denuncia o prefeito de Sabará, Diógenes Fantini (PSB).
Para o biólogo Ricardo Motta Pinto Coelho, professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), os repasses para municípios são de extrema importância para dar capilaridade às ações de revitalização da Bacia do São Francisco. “Para funcionar, as ações precisam de uma política de regulamentação e integração entre todas as esferas: federal, estadual e municipal”, afirma.
Enquanto isso não ocorre, o Velho Chico vai minguando ao longo da bacia. Em Ibiaí, no Norte de Minas, o São Francisco perdeu 10 vezes sua largura, passando de 600 metros para 60. O secretário de Meio Ambiente do município, Marcos Rogério Martins, salienta que, para implementar mesmo a revitalização, o governo federal deveria liberar recursos para que as prefeituras cuidem da preservação de nascentes e dos pequenos rios e córregos que alimentam o leito principal. “Os prefeitos têm interesse em investir em projetos de conservação ambiental, mas as prefeituras não dispõem de dinheiro para essa finalidade. Os municípios precisam da ajuda da União”, cobra.