Em uma tentativa de salvar as suas lagoas e mantê-las, a prefeitura de Sete Lagoas, na Região Central, está impermeabilizando o fundo dos lagos para impedir a infiltração da água no solo.
Há sete anos, a Secretaria de Meio Ambiente fez um estudo e interceptou as nascentes no entorno da Lagoa do Cercadinho, a menor de todas, o que a mantém cheia. A Lagoa José Félix é a mais profunda de todas e também não foi afetada. A principal delas, a Lagoa Paulino, cartão-postal da cidade, mantém o nível normal graças às nascentes da Lagoa do Mucuri, que passou a fornecer água para ela.
Ramon Lamar explica que os lençóis subterrâneos que abastecem as lagoas não estão a grandes profundidades.
O município é um polo industrial e todas as empresas usam água subterrânea, entre elas uma fábrica de caminhões e uma fabricante de refrigerantes. A empresa de bebidas, segundo o biólogo, tem outorga para extrair o equivalente a 40% do volume total de água consumida pela cidade. “São vários poços artesianos na região”, disse Ramon. O município já está enfrentando problemas de abastecimento em alguns bairros, segundo ele, e a população reclama do sabor da água devido à presença de calcário.
TRAÍRAS E TUCUNARÉS Para os sete-lagoanos, a captação de água subterrânea aumentou por causa do crescimento industrial e a falta de chuvas agrava um problema já antigo no município. “Estão sugando toda a água lá de baixo e a daqui de cima está evaporando”, acredita o operador de produção Rodrigo Aloísio Amaral, de 30 anos. Segundo ele, a Lagoa Grande tinha mais de 10 quilômetros de extensão, onde era possível nadar e pescar. “Hoje, o lugar mais profundo não passa de 2 metros”, lamenta. Ele conta que a lagoa secou em menos de um ano e aponta o local onde antes pescava traíras e outros peixes. “Lá, naquela terra amarela, eu pegava piaus de 4 quilos e havia muito tucunaré”, disse.
Além da falta de chuvas, outra causa da seca da Lagoa Grande, segundo o biólogo Ramon Lamar, pode ser a presença de dolinas. São depressões no solo formadas pela dissolução química de rochas calcárias abaixo da superfície.
O deck de madeira onde os turistas embarcavam nos pedalinhos da Lagoa Boa Vista, no Centro de Sete Lagoas, agora está distante cerca de 5 metros da água. Os equipamentos estão parados. Na entrada, o aviso: “Prezados clientes. Informamos que os pedalinhos da Lagoa Boa Vista voltarão a funcionar assim que a lagoa estiver com o nível de água normalizado”, diz a faixa. O restaurante que funcionava ao lado também está fechado, para a tristeza do vigia Pierre George Moura Baldez, de 32, que fica sozinho no lugar. “Moro aqui desde que nasci e nunca vi seca como essa”, lamenta.
Pierre diz ter saudade do tempo em que a lagoa vivia lotada de moradores da cidade e de turistas. “As pessoas chegavam, colocavam coletes de segurança e saíam nos pedalinhos. Até os ciclistas sumiram da orla da lagoa”, lamentou. Com o lago praticamente seco, quem está fazendo a festa são os martins-pescadores, segundo ele, que se alimentam dos peixes maiores com a água rasa.
Clarindo Moreira, de 70, dono de quiosque na orla da Boa Vista, lamenta o estado em que ela chegou.
FAUNA E FLORA O engenheiro ambientalista Bernardo Marques, que trabalhou no setor de prevenção, emergências ambientais e eventos críticos da Secretaria de Estado do Meio Ambiente (Semad), explica que toda a parte viva das lagoas, tanto a fauna quanto a flora, sofre com elas secando. “Afeta não somente os peixes, mas toda a fauna que usa aquele meio para sobreviver. E isso provoca o desequilíbrio ecológico que pode ser disseminado em uma série de situações. Se você tem uma planta que depende da água para sobrevivência, ou a fauna bentônica, que está alojada abaixo do nível da água, automaticamente ela vai estar fora d’água, o que não é uma condição natural para a existência desse organismo”, explica.
O especialista explica que Sete Lagoas é uma área com muitos sumidouros e que a composição do solo é basicamente calcário. “As fraturas no solo são praticamente naturais e costumam abrigar grande volume de água. “Esse fluxo subterrâneo de água tem uma recarga. Toda água da chuva infiltra no solo e abastece também o lençol freático. Em virtude dessa escassez hídrica, toda aquela água subterrânea vai sendo conduzida para uma região mais abaixo, chamada jusante, mesmo superficialmente, e algumas lagoas vão de fato reduzir esse nível de água e até secar”, disse o especialista.
Marques explica que a escassez hídrica, assim como as inundações, é um processo natural e recorrente em qualquer parte do mundo, mas que podem ser intensificados por ações humanas, que utilizam os recursos hídricos de maneira intensa e intervêm de alguma forma no meio ambiente. (PF).