Pedro Ferreira
Em uma tentativa de salvar as suas lagoas e mantê-las, a prefeitura de Sete Lagoas, na Região Central, está impermeabilizando o fundo dos lagos para impedir a infiltração da água no solo. Ao todo, são 23 lagoas. A da Chácara, uma das sete que deram nome à cidade, secou há 40 anos e o medo é que as outras tenham o mesmo fim. De acordo com o biólogo e assessor para assuntos ambientais da prefeitura, Ramon Lamar, há projeto de recuperação de todas elas, inclusive a da Chácara. A Lagoa Catarina foi esvaziada e vai receber uma manta impermeabilizante. “Será mantida artificialmente”, disse o biólogo.
Há sete anos, a Secretaria de Meio Ambiente fez um estudo e interceptou as nascentes no entorno da Lagoa do Cercadinho, a menor de todas, o que a mantém cheia. A Lagoa José Félix é a mais profunda de todas e também não foi afetada. A principal delas, a Lagoa Paulino, cartão-postal da cidade, mantém o nível normal graças às nascentes da Lagoa do Mucuri, que passou a fornecer água para ela.
Ramon Lamar explica que os lençóis subterrâneos que abastecem as lagoas não estão a grandes profundidades. Com o crescimento da cidade e a consequente impermeabilização do solo, o volume de água que infiltra na terra foi alterado, segundo ele. “Está saindo mais água do subsolo do que entrando”, informa o biólogo, lembrando que Sete Lagoas tem 220 mil habitantes e 100% da captação de água é subterrânea. A cidade não tem rios e somente em janeiro há perspectiva de captar 50% da água consumida do Rio das Velhas, no município de Funilândia, distante 30 quilômetros.
O município é um polo industrial e todas as empresas usam água subterrânea, entre elas uma fábrica de caminhões e uma fabricante de refrigerantes. A empresa de bebidas, segundo o biólogo, tem outorga para extrair o equivalente a 40% do volume total de água consumida pela cidade. “São vários poços artesianos na região”, disse Ramon. O município já está enfrentando problemas de abastecimento em alguns bairros, segundo ele, e a população reclama do sabor da água devido à presença de calcário.
TRAÍRAS E TUCUNARÉS Para os sete-lagoanos, a captação de água subterrânea aumentou por causa do crescimento industrial e a falta de chuvas agrava um problema já antigo no município. “Estão sugando toda a água lá de baixo e a daqui de cima está evaporando”, acredita o operador de produção Rodrigo Aloísio Amaral, de 30 anos. Segundo ele, a Lagoa Grande tinha mais de 10 quilômetros de extensão, onde era possível nadar e pescar. “Hoje, o lugar mais profundo não passa de 2 metros”, lamenta. Ele conta que a lagoa secou em menos de um ano e aponta o local onde antes pescava traíras e outros peixes. “Lá, naquela terra amarela, eu pegava piaus de 4 quilos e havia muito tucunaré”, disse.
Além da falta de chuvas, outra causa da seca da Lagoa Grande, segundo o biólogo Ramon Lamar, pode ser a presença de dolinas. São depressões no solo formadas pela dissolução química de rochas calcárias abaixo da superfície. “Há uma linha de dolinas na Lagoa Grande. As cavidades subterrâneas podem afundar com o tempo e a água pode estar sendo drenada”, disse Ramon, que defende um estudo geológico mais aprofundado para confirmar a sua suspeita.
Sem água, pedalinho parado
O deck de madeira onde os turistas embarcavam nos pedalinhos da Lagoa Boa Vista, no Centro de Sete Lagoas, agora está distante cerca de 5 metros da água. Os equipamentos estão parados. Na entrada, o aviso: “Prezados clientes. Informamos que os pedalinhos da Lagoa Boa Vista voltarão a funcionar assim que a lagoa estiver com o nível de água normalizado”, diz a faixa. O restaurante que funcionava ao lado também está fechado, para a tristeza do vigia Pierre George Moura Baldez, de 32, que fica sozinho no lugar. “Moro aqui desde que nasci e nunca vi seca como essa”, lamenta.
Pierre diz ter saudade do tempo em que a lagoa vivia lotada de moradores da cidade e de turistas. “As pessoas chegavam, colocavam coletes de segurança e saíam nos pedalinhos. Até os ciclistas sumiram da orla da lagoa”, lamentou. Com o lago praticamente seco, quem está fazendo a festa são os martins-pescadores, segundo ele, que se alimentam dos peixes maiores com a água rasa.
Clarindo Moreira, de 70, dono de quiosque na orla da Boa Vista, lamenta o estado em que ela chegou. “O jeito é pegar com Deus. Só ele para mandar chuva e salvar essa lagoa”, disse. O artesão Hélcio Lício, de 69, mostrou um cano no meio da lagoa por onde saía a água canalizada de uma nascente, que secou. “Era a única fonte de água que dava sustentação à lagoa. Agora, nem isso ela tem. A água que restou está evaporando com esse sol de rachar”, lamenta.
FAUNA E FLORA O engenheiro ambientalista Bernardo Marques, que trabalhou no setor de prevenção, emergências ambientais e eventos críticos da Secretaria de Estado do Meio Ambiente (Semad), explica que toda a parte viva das lagoas, tanto a fauna quanto a flora, sofre com elas secando. “Afeta não somente os peixes, mas toda a fauna que usa aquele meio para sobreviver. E isso provoca o desequilíbrio ecológico que pode ser disseminado em uma série de situações. Se você tem uma planta que depende da água para sobrevivência, ou a fauna bentônica, que está alojada abaixo do nível da água, automaticamente ela vai estar fora d’água, o que não é uma condição natural para a existência desse organismo”, explica.
O especialista explica que Sete Lagoas é uma área com muitos sumidouros e que a composição do solo é basicamente calcário. “As fraturas no solo são praticamente naturais e costumam abrigar grande volume de água. “Esse fluxo subterrâneo de água tem uma recarga. Toda água da chuva infiltra no solo e abastece também o lençol freático. Em virtude dessa escassez hídrica, toda aquela água subterrânea vai sendo conduzida para uma região mais abaixo, chamada jusante, mesmo superficialmente, e algumas lagoas vão de fato reduzir esse nível de água e até secar”, disse o especialista.
Marques explica que a escassez hídrica, assim como as inundações, é um processo natural e recorrente em qualquer parte do mundo, mas que podem ser intensificados por ações humanas, que utilizam os recursos hídricos de maneira intensa e intervêm de alguma forma no meio ambiente. (PF)