Um depósito de ferro-velho de Santa Luzia, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, esconde no meio das sucatas um diamante bruto, pronto para ser lapidado. Clientes e funcionários se acostumaram a entrar e sair do local, no Bairro Adeodato, escutando um tipo de música nada comum aos ouvidos da maioria. No terreno de quase 2 mil metros quadrados, a filha dos donos do comércio, uma menina de 10 anos, solta a voz para cantar nada mais nada menos que ópera. É lá nos fundos, entre descartáveis, que mora a família de Natasha Oliveira Silva. Ela entoa qualquer tipo de música, mas o canto lírico é a grande paixão. E não adianta querer saber de onde partiu o interesse. Foi algo natural, ela garante.
A menina, aluna do 5º ano do ensino fundamental da Escola Municipal Professora Ceçota Diniz, aprendeu sozinha. Há cerca de um ano, começou a fazer aulas de canto no projeto Arte para a vida, da prefeitura. São duas aulas por semana, sendo quatro horas na quarta-feira e três no sábado. Ela conta que o contato com a música começou quando ainda era bebê, influenciada pela tia Roberta Carla de Oliveira, de 23, com quem sempre cantou. Natasha está aprendendo a ler partituras, mas diz que só de olhar as cifras é capaz de reconhecer o tom de uma canção.
Como não tem CD ou DVD de música clássica ou ópera, esperta e curiosa, a garota usa a internet como fonte para conhecer e aprender as canções. “A ópera é mais forte que todas as outras músicas. Sai mais de dentro”, diz. Ela não esconde a vontade de se tornar cantora lírica e está disposta a estudar e se esforçar para seguir a carreira. A mãe diz que, se a filha quiser, a família vai correr atrás. “Tem que ter determinação e foco. Não pode começar e parar. Em todo os lugares para onde vamos as pessoas falam para ela seguir.”
Natasha diz que a dificuldade começa na escola, onde a música não é reconhecida. Quando começa a cantar, os colegas pedem que pare. Aos professores, ela nunca contou sobre o talento. A tia a defende, dizendo para não se intimidar com o que as pessoas pensam, principalmente por ser a ópera um estilo que não é conhecido da meninada, despertando o espírito da zombaria.
OPORTUNIDADE “Quando solto a voz, sinto algo bonito, que vai fluindo e me deixa leve”, afirma. Natasha sonha com o dia em que pegará aviões, de um país a outro, com dinheiro para comprar casa grande e carro para ela, a tia e os pais. “Se aparecer a oportunidade de me aperfeiçoar, eu pego. Ainda não sei reger com as mãos, só sei cantar. Mas quero aprender tudo”, afirma. Enquanto isso, ela se preserva e cuida da voz, seguindo os conselhos do professor de canto de dar preferência a bebidas naturais, não tomar água gelada e comer muitas frutas.
Seja em português, inglês ou espanhol, a menina não se intimida. Mesmo sem nunca ter estudado qualquer idioma estrangeiro, mostra que tem talento também para línguas. Apenas ouvindo, aprendeu a cantar músicas em inglês perfeito, como o Rei leão, e, em espanhol, as canções de Violetta, um programa musical adolescente da Disney. A garota sonha com uma chance de estudar numa boa escola especializada e mostrar ao mundo o que sabe fazer. Ver um espetáculo de ópera também é um de seus sonhos. “A música é muito especial para mim.”
Só falta agora ensino e apoio para crescer
Se depender da tia, a garçonete Roberta de Oliveira, Natasha está predestinada a voos bem altos. As duas são grandes parceiras e sempre cantam juntas, de música evangélica a clássicos internacionais. “A Natasha canta um tipo de música que quase ninguém conhece. E ópera vai valorizar muito o tom de voz dela. Tem gente que acha até brega. Mas não importa o que ela quer cantar, se ópera ou pagode, tem que investir no sonho dela”, diz, afirmando que faz pela sobrinha o que não pôde fazer por ela mesma.
Quando tinha 2 anos, a menina começou a cantar músicas em inglês. “Esse dom nasceu com ela. É coisa rara de se ver. Não precisa se esforçar para cantar. E canta olhando nos olhos da pessoa. Ou você chora pela música, ou chora pelo olhar dela”, diz Roberta. O próximo passo é entrar para um grupo de canto da igreja que frequenta. “Não tive incentivo algum quando criança. E, agora, o que estiver ao meu alcance, faço pela minha sobrinha.”
A mãe, Renata de Oliveira, diz que gosta de ver a filha cantar, embora se estresse às vezes. “Sei que tenho de dar incentivo, mas vivemos com muita dificuldade. Trabalhamos aqui no ferro-velho das 8h às 19h. Comecei a batalhar aos 10 anos. Lá em casa, não tivemos escolha. Tenho medo que ela tente dar um passo maior e quebre a cara. Não temos um mundo de dinheiro, mas Deus nos deu sabedoria e força para trabalhar e ajudá-la no que for possível.”
Edilberto Silva também vê a gana da filha por uma oportunidade: “Não adianta só ter talento. Ela tem que estudar música, senão não vai para a frente”. “O futuro está nas mãos dela. Não tem nada melhor na vida do que poder correr atrás do que se quer”, conclui Roberta.