Ana Clara Brant
“O câncer estava muito avançado. O médico não recomendou nem operar. Infelizmente, não tinha mais jeito. Ela ainda estava conversando, mas piorou na segunda-feira. As dores eram tão fortes que nem com a morfina estava dando conta”, informou a neta da artista, a ceramista Andreia Pereira de Andrade.
A família está baqueada com a morte da matriarca, pois dona Izabel sempre foi mulher forte e saudável. Andreia conta que a avó recomendava aos filhos e netos que não se desesperassem no dia de sua partida, pois já havia cumprido sua missão no mundo. “Ela sempre falava que tinha vivido o suficiente e se considerava uma pessoa feliz. Dizia para gente ficar sossegado. É difícil, vamos sentir muita falta, mas tentaremos levar da melhor forma possível”, afirma Andreia.
A neta espera que a obra da avó continue a ser valorizada e que seu legado se perpetue. “Como parte da família e como aprendiz de sua arte, só tenho a agradecer. Mais do que nunca, temos que mostrar o trabalho dela. Minha avó divulgou Santana do Araçuaí e o Vale do Jequitinhonha para o Brasil e o mundo. Sua obra vai ficar, é isso que importa”, destaca.
Admiradora do trabalho de dona Izabel, a colecionadora Priscila Freire, ex-diretora do Museu de Arte da Pampulha (MAP), considera a ceramista figura “quase mitológica”, hors concours das artes. A especialista lembra que Izabel ganhou o Prêmio Unesco de Artesanato para a América Latina (2004), entre outras condecorações.
LEGADO “Aquelas bonecas são de uma importância única. Inconfundíveis, parecem rainhas, santas de altar”, afirma Priscila Freire. Para a ex-diretora do MAP, a artista criou uma cerâmica contemporânea – fugiu do barroco, mas dentro de moldes modernos. “Sem falar que ela deixou um legado não só dentro da própria família, pois a filha e a neta seguem seus passos, mas alavancou todo o artesanato de barro do Vale. Foi pioneira. Tenho várias peças dela. É enorme a alegria de olhar para as bonecas, especificamente para a que batizei de Nefertiti Brasileira. Definitivamente, dona Izabel deixa herança de muita qualidade e um trabalho belíssimo, reconhecido nacionalmente e internacionalmente”, enfatiza.
A produtora cultural Maria Amélia Dorneles, que também coleciona obras da artista, conhece a família de Izabel há mais de 30 anos. “Ela é a grande bonequeira do país, marcante para a história da arte popular em Minas Gerais. Temos peças maravilhosas dela espalhadas por alguns museus de BH e do estado. Aquelas bonecas realmente têm a cara das mulheres do Vale”, comenta.
Maria Amélia destaca a importância de dona Izabel como mestra. “Ela nunca se negou a passar o seu conhecimento para ninguém. Muito pelo contrário”, conclui.
Do Vale para o mundo
Izabel Mendes da Cunha nasceu em 3 de agosto de 1924, na comunidade rural de Córrego Novo, no Vale do Jequitinhonha. Filha de paneleiras que vendiam utilitários de barro, fazia bonecas de barro para brincar, escondida da mãe. Autodidata, sempre modelou rostos com feições mais sérias. As famosas bonecas, que começaram a ser criadas nos anos 1970, têm origem em moringas de barro cujas tampas eram cabeças.
As peças se tornaram populares graças à Comissão de Desenvolvimento do Vale do Jequitinhonha, que comprava o artesanato local para revenda, e a um colecionador francês, que levava as bonecas para sua galeria, em São Paulo.
Em 2003, as bonecas de dona Izabel foram parar na São Paulo Fashion Week, quando o estilista Ronaldo Fraga homenageou as ceramistas do Vale do Jequitinhonha. Mãe de quatro filhos, ela recebeu vários prêmios, como o Unesco de Artesanato para a América Latina (2004), a Ordem do Mérito Cultural (concedida pelo Ministério da Cultura, 2005) e o Prêmio Culturas Populares (Ministério da Cultura, 2009).
Dona Izabel foi também homenageada pela presidente Dilma Rousseff durante a abertura da exposição Mulheres artistas e brasileiras, no Palácio do Planalto, em Brasília.