Como se fosse o coelho branco do País das Maravilhas, a música conduziu Natasha Oliveira Silva, de 10 anos, a um universo de sensações e descobertas. A exemplo da personagem Alice, do escritor Lewis Carroll, a menina, natural de Santa Luzia, na Grande BH, adentrou um mundo desconhecido, que povoava os seus sonhos, mas que estava longe da realidade. O amor pelo canto lírico, despertado em meio a um ferro-velho, a levou ao Palácio das Artes, no Centro da capital. E foi no Grande Teatro que ela partiu para uma viagem no tempo até a Paris de 1850, eternizada por Giuseppe Verdi na ópera Rigoletto. Entre tantas novidades, a pequena agigantou-se. Apesar do corpo franzino e aparentemente frágil, soltou a voz em audição conduzida pela maestrina Lara Tanaka. Autodidata e ainda sem saber ler partituras, a menina foi aprovada e convidada a integrar o coral lírico infanto-juvenil da Fundação Clóvis Salgado, que sempre busca talentos para lapidar.
Reservada, mas nem um pouco tímida, a menina de Santa Luzia mostrou-se curiosa: fez perguntas, mas respondeu muito mais. Os funcionários da fundação queriam conhecê-la e, mais do que isso, desejavam ouvi-la cantando. Do último sábado, quando a reportagem e o vídeo contando a história de Natasha foram publicados, a vida dela passou por uma reviravolta digna de histórias encantadas. A menina que, em meio aos descartes, apaixonou-se pelo canto lírico assistiu pela primeira vez a uma ópera. “Quando lemos a reportagem, foi uma comoção geral. Decidimos realizar o sonho dela”, afirmou Fernanda Machado, presidente da Fundação Clóvis Salgado.
Tudo era novo e superlativo para Natasha, inclusive o tamanho da cadeira de onde assistiu ao espetáculo. De tempos em tempos, sussurrava as impressões no ouvido da mãe, Renata Rejane de Oliveira, de 28, que a acompanhou. “É a paixão dela. Começou a cantar em um projeto da Prefeitura de Santa Luzia e queríamos encontrar outras oportunidades”, disse a mãe, que também nunca havia ido ao Palácio das Artes. No repertório da pequena notável, músicas do cancioneiro brasileiro, mas também músicas em espanhol e inglês.
Acompanhada da mãe e da avó, a menina chegou duas horas antes para conhecer o centro artístico. “Ouvi falar daqui uma única vez. Uma amiga me disse que aqui era muito grande, tipo um palácio. Mas ela nunca veio”, contou Natasha. E ela pôde conhecer cada cantinho. Subiu no palco, visitou os bastidores e foi ao camarim conversar com o elenco de Rigoletto. Com o aproximar do espetáculo, a expectativa era tamanha que a menina não queria nem mesmo lanchar. Ela parecia tentar entender o que estava ocorrendo. De repente, estava imersa no universo da música, dos grandes espetáculos, lugares que ela conhecia somente por meio da internet. A visita potencializa o sonho de se tornar uma cantora e brilhar. “Já me imaginei no palco. Na hora, vou ficar com vergonha, mas vai dar certo.”
EMOÇÃO O ponto alto da visita foi o encontro com os solistas da ópera e cantar para eles “Ela é maravilhosa, fantástica. Estou emocionado. O canto não é só voz, é o que tem dentro. Quando temos dentro de nós uma grande pessoa, a voz é um reflexo ainda maior. Você nos deu de presente algo muito bonito”, disse Deivid para a menina. A fundação reconheceu em Natasha um talento que precisa ser lapidado. Ela poderá estudar canto no coral. “É nosso dever fomentar o conhecimento e o gosto artístico. Como é bom encontrar essa menina em Santa Luzia.” No entanto, para frequentar as aulas, terá que mudar de horário e até mesmo de escola. Incentivadora da filha, Renata disse que fará o necessário para que ela possa desenvolver o dom.
No final do primeiro ato, a secretária de cultura Eliane Parreiras foi ao encontro de Natasha para conhecê-la. “Quando vi o vídeo, fiquei encantada. É o poder transformador da arte. Sem formação dentro de casa, ela foi buscar o canto lírico”, disse. No intervalo do segundo para o terceiro ato, a menina custava a acreditar no que estava ocorrendo. “Um dia depois da publicação da matéria, eu pensava se tudo era mesmo verdade”, lembra.
Mesmo não habituada a ficar acordada até tão tarde da noite, Natasha não fechou os olhos em nenhum momento. “Às 21h30, todo mundo lá em casa está dormindo. Nunca fico acordada até essa hora.” A ópera teve início às 20h e se estendeu até as 23h. Ela se impressionou com o público, que lotou o teatro para a última récita da montagem de Rigoletto.
No segundo ato, a expectativa era grande para saber o desfecho do enredo que envolve o personagem Rigoletto, a filha Gilda e o duque de Mântua. Também ficou encantada como a história pode ser toda cantada. “Foi muito bom. Vou indicar o Palácio das Artes para outras pessoas”, disse. Ao terminar o espetáculo, a menina cantarolava uma das árias mais famosas de todos os tempos, La donna è mobile.