No Ano do Barroco e a uma semana do bicentenário de morte de Antonio Francisco Lisboa, o Aleijadinho (1737-1814), o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) apreendeu peças sacras que podem ser de igrejas coloniais mineiras, extensa documentação – mais de 500 fotografias de imagens, altares, casarões antigos semidestruídos, notas fiscais, recibos, livros de caixa e nomes de colecionadores de obras de arte de renome nacional – e pilhas de madeira de demolição, num galpão do Bairro Santa Cruz, na Região Nordeste da capital. “Estamos diante de uma rede de comércio ilícito de bens culturais, sendo Belo Horizonte o ponto de receptação e transferência para Rio de Janeiro, São Paulo e outros estados”, afirmou nessa terça-feira o promotor Marcos Paulo de Souza Miranda, titular da Coordenadoria das Promotorias de Defesa do Patrimônio Cultural e Turístico de Minas Gerais (CPPC), que comandou a Operação Barroco Mineiro.
As primeiras investigações, baseadas principalmente nos livros de caixa, mostram que o esquema atuava em BH havia cerca de quatro décadas e, mesmo com a política estadual para combate a esse tipo de criminalidade e campanhas de resgate de peças sacras, continuava em ação. “É um ato de ousadia”, afirmou o promotor, que acompanhou a vistoria e transferência judicial do material apreendido para a sede do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), no Bairro Floresta, na Região Leste. As oito peças encontradas são bens integrados de igreja: balaústre, sino datado de 1860 fabricado na Inglaterra, forro de capela, armário de sacristia, púlpito (local onde os padres fazem as pregações) e elementos de altares. “São peças de qualidade, eruditas, dos séculos 18 e 19”, acrescentou o promotor.
A operação começou a ser planejada há um ano e, nessa terça-feira, foi cumprido mandado de busca e apreensão no galpão de 600 metros quadrados de área construída. “Tivemos que refinar os dados durante muito tempo antes de agir. O galpão é no Bairro Santa Cruz, mas a base do grupo é no Bairro Gutierrez (Região Noroeste)”, disse o promotor em entrevista, à tarde, na sede da Procuradoria de Justiça, ao lado da superintendente do Iphan, Michele Arroyo, e do gerente de Identificação do Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha-MG), Raphael João Hallack.
O galpão é de propriedade de um casal – há informações de que a mulher trabalha com restauração – e dedicado à realização de festas. Dessa forma, as madeiras de fazendas e casarões de demolição seriam usadas como cenários dos eventos. Os nomes não foram divulgados e não houve prisões. “Eles ficaram em silêncio”, disse Marcos Paulo, lembrando que ainda não se pode falar em “quadrilha” para caracterizar os pessoas envolvidos. Além de Rio de Janeiro e São Paulo, a investigação mostra ligações também com Pernambuco e Bahia.
Nessa terça-feira, um grupo de 30 pessoas integrou a operação, incluindo profissionais dos centros de Apoio Operacional de Combate ao Crime Organizado (Caocrimo) e de Combate aos Crimes contra a Ordem Econômica e Tributária (Caoet), órgãos do MPMG, da Polícia Militar, auditores da Receita Estadual/Secretaria de Estado da Fazenda e do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG).
Álbuns Segundo Marcos Paulo, a diferença dessa operação para outras referentes a peças sacras está na quantidade de documentos e de fotos em preto e branco e coloridas. A equipe do MP, Iphan e Iepha descobriu nos álbuns três fotografias de imagens atribuídas a Aleijadinho – São Francisco de Paula, São João Batista e Nossa Senhora do Rosário, estando essa em poder de um colecionador de São Paulo já identificado – e uma (São Pedro), também em pode de colecionador paulista, de autoria do português Francisco Xavier de Brito, que trabalhou na Capitania de Minas. As fotografias tinham no verso, escrito a caneta, o nome de Aleijadinho. “Os documentos tinham ainda palavras para mostrar o andamento dos negócios, como ‘vendido’, ‘resolvido’, ‘vendido para…’ e outras”, explicou o promotor. O MPMG investiga a existência de outros galpões na cidade.
Imóveis históricos demolidos
A equipe de investigação do Ministério Público de Minas Gerais se mostrou impressionada com o volume de peças de madeira encontradas em galpão no Bairro Santa Cruz, na Região Nordeste de Belo Horizonte. Para o promotor Marcos Paulo de Souza Miranda, o material representa dezenas de imóveis históricos demolidos. “Esta é uma situação alarmante do nosso patrimônio, pois as fazendas estão sendo destruídas e a madeira vendida para ser usada em novas construções”, alertou o promotor. “Não há lei para regulamentar o comércio de bens culturais. O MPMG enviou um proposta à Assembleia Legislativa de Minas Gerais para regulamentar a situação, mas ainda não tivemos retorno”, acrescentou Marcos Paulo.
A superintendente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), Michele Arroyo, contou que o forro da capela que estava no galpão tinha várias camadas de tinta, embora fosse possível visualizar vestígios de flores pintadas na madeira. Por sua vez, Raphael Hallack, gerente de Identificação do Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha-MG), lembrou que o ambiente não oferecia condições necessárias para preservação do material, com muita umidade.
Origem
A operação Barroco Mineiro, nome escolhido devido ao mês do bicentenário da morte de Aleijadinho, morto em 18 de novembro de 1814, teve origem em outra ação deflagrada em setembro do ano passado. Na época, Polícia Federal e Iphan deflagaram a Operação Morojó e constataram que bens culturais do Engenho Morojó, de Nazaré da Mata, no interior de Pernambuco e com tombamento federal, haviam sido retirados ilicitamente do local e transportados para galpão no Bairro Santa Cruz, na capital mineira. Na sequência, o Iphan pediu o apoio do MPMG, que passou a investigar o caso.
Em levantamento preliminar, técnicos do MPMG, Iphan e Iepha verificaram a existência, no galpão, de diversos bens com características de serem integrantes de templos coloniais mineiros. Também foi descoberta grande quantidade de material de demolição retirado de casarões históricos de Minas Gerais. Segundo Michele Arroyo, do Iphan, o local foi lacrado e continua com esse impedimento. Enquanto transcorre o inquérito, especialistas vão se debruçar sobre as peças para identificar a procedência. “O nosso objetivo é que cada objeto volte para o seu local de origem, que são as igrejas e capelas”, disse a superintendente do Iphan. (GW)