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Estado de Minas

Franciscópolis sofre com a chuva um mês depois de decretar emergência pela seca

Antes de ser varrida por tromba-d'água, cidade do Vale do Mucuri havia decretado estado de emergência para enfrentar a morte de gado e as perdas na lavoura causadas pela seca


postado em 14/11/2014 06:00 / atualizado em 14/11/2014 06:44

O agricultor Valdivino Gomes Pereira, diante de emaranhados de galhos trazidos pela enchente: família só se salvou porque filho deu alerta(foto: Fotos: Paulo Filgueiras/EM/D.A Press)
O agricultor Valdivino Gomes Pereira, diante de emaranhados de galhos trazidos pela enchente: família só se salvou porque filho deu alerta (foto: Fotos: Paulo Filgueiras/EM/D.A Press)

Franciscópolis – Os pequenos agricultores de Franciscópolis, no Vale do Mucuri, mal terminaram de contabilizar as perdas causadas por nove meses de seca e foram surpreendidos por tromba-d’água de dimensões nunca registradas na história da cidade. Há um mês, a prefeitura encaminhou o decreto de emergência motivado pela estiagem aos órgãos de Defesa Civil estadual e federal. Antes mesmo de obter uma resposta, o município foi forçado a iniciar processo semelhante devido às chuvas. “Um decreto não anula o outro. Foi um período prolongado sem chuva, de março a novembro. Não tem como reverter os prejuízos já contabilizados”, informou o extensionista de Bem-Estar Social da Emater (Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado de Minas Gerais) Vanderlei Ramalho dos Santos.

Acompanhada por técnicos da Emater e da Defesa Civil, a equipe do Estado de Minas visitou propriedades rurais em um perímetro de 12 quilômetros para levantar os danos causados pelos dois extremos do clima que castigam a população local. Há menos de um mês, nas comunidades de São Pedro e Tatu e no distrito de Antônio Ferreira, os moradores não tinham água para beber, o que exigia intervenção do poder público. “A prefeitura teve de levar água com caminhão-pipa”, informou a coordenadora da Defesa Civil municipal, Josiane Rodrigues de Souza.

Com cerca de 700 pequenos agricultores, o município tem na pecuária de leite e corte a principal fonte de renda. No entanto, sem pasto, o gado vinha sobrevivendo à base de cana e ração. Muitos pequenos agricultores entraram com o pedidos de financiamento para comprar o alimento que a natureza não vinha oferecendo. Mas, mesmo investindo no total cerca de R$ 30 mil na compra de ração, eles não conseguiram evitar a morte de animais. Em muitas propriedades ainda são vistas carcaças dos que não suportaram a falta de pasto e água.

O gado que ainda resiste mal para em pé, de tão magro. Com as costelas à vista, bezerros tentam em vão mamar em vacas que já não produzem leite, devido à fome. O pouco de alimento que consomem não é o bastante nem para mantê-las. “Uma vaca leiteira dá em média R$ 3 mil por ano ao produtor. Magras do jeito que estão, têm que comer um ano para recuperar o vigor corporal, mas nesse período não dão leite. É muito difícil quantificar os prejuízos”, informou o engenheiro agrônomo Guilherme da Cunha Sales, extensionista agropecuário da Emater. Em um primeiro levantamento, a empresa estadual e a Defesa Civil municipal projetam prejuízos em torno de R$ 100 mil na agricultura e R$ 400 mil na pecuária.

Os produtores da região estão acostumados a períodos de seca, mas nos últimos dez anos eles estão cada vez mais rigorosos. “Antes a seca durava 90 dias. Depois passou para 120. Agora, chegamos a 180 dias sem chuva”, diz Guilherme. Com isso, a natureza leva cada vez mais tempo para se recuperar. “Uma pastagem degradada leva três anos e meio para se recuperar naturalmente”, completa o engenheiro.

Os reflexos da seca no solo também agravaram os danos causados pela chuva que assustou a população do município. Como a cidade está localizada no fundo de um vale, a degradação das matas de topo resultou em enxurradas. A ausência de vegetação aliada a erros no manejo das pastagens deixaram o solo menos permeável. Como a água se infiltra pouco, grande parte é escoada superficialmente. Outro problema é a destruição de matas ciliares. O resultado, que se fez visível em Franciscópolis, são o assoreamento dos cursos d’água e enchentes cada vez mais devastadoras. Na área central, o alagamento resultou de enxurradas vindas dos topos de morro. Na área rural, a situação se agravou com o transbordamento do Rio Santa Cruz e do Córrego do Coió.

Animais que resistiram à estiagem exibem nos corpos os resultados de noves meses sem ver chuva
Animais que resistiram à estiagem exibem nos corpos os resultados de noves meses sem ver chuva


O dia em que o sertão virou mar

“Virou um mar. A gente avistava água do pé de um morro ao outro. Veio até peixe. Lambari, bagre entraram dentro de casa. Passamos muito medo”, afirmou o agricultor Manoel Gomes Pereira, de 76 anos. Na zona rural de Franciscópolis, a profecia cantada por Sá e Guarabira na década de 1970 virou realidade, mesmo que por horas, e o sertão virou mar. Seu Neném de Jovino, como é conhecido, conta os prejuízos: pelo menos quatro quilômetros de cerca levadas pela enxurrada, toda a cana plantada para servir de alimento para o gado na estiagem arrancada e a horta devastada.

Do quintal de onde já se retirou uma beterraba com 2,7 quilos, agora só se veem restos de hortaliças enlameadas. “Não tem como aproveitar, porque apodrece tudo.” O agricultor não consegue calcular as perdas, mas sabe que terá que trabalhar muito para fazer com que a propriedade rural volte para os eixos. Até porque, na seca deste ano, ele a filha perderam 30 cabeças de gado.

O agricultor Valdivino Gomes Pereira, de 68, nunca viu a natureza agir de maneira tão devastadora. “Ouvimos uma zoeira que era algo diferente. Era mais que um trovão. Escutamos nosso filho gritar e pensamos que poderia ser alguém doente. Quando olhamos da janela, a água estava chegando. A luz acabou e tínhamos um monte de crianças em casa. Pensei que íamos morrer. Só lembrava o que tinha acontecido em Santa Catarina”, disse, em referência à tragédia no Sul do país em 2013.

Ao acordar na madrugada de segunda, Marconi Gomes Pereira, de 36, temia que seus pais fossem levados pela enchente. Com o alerta do filho, mesmo no escuro, a família conseguiu fugir para áreas altas. Hoje, contabiliza os prejuízos materiais, como a perda de toda a cana que alimentaria o gado. “Fiz um financiamento para plantar cana. Não posso fazer outro. O que preocupa é a dívida, que é a doença para o homem que tem vergonha. O que vale em um homem é o nome”, afirma Valdivino, que, devido à seca, já havia perdido 16 cabeças de gado.
O agricultor Paulo Alves de Macedo, de 39, perdeu dois quilômetros de cerca com a enchente. Os danos se somam aos causados pela seca, como a morte de cinco cabeças de gado. “As vacas que estão vivas deixaram de dar leite. Tirava 90 litros por dia. Agora, tiramos só 40”, conta.

Outro que terá que batalhar para se recuperar dos prejuízos da seca agravados pela tempestade é o agricultor Luciano Oliveira, que perdeu todo o sorgo que havia plantado. “Ele vai ter que arar novamente a terra e gradear. Vai ter de plantar tudo de novo, com um prejuízo de cerca de R$ 20 mil”, informou o engenheiro agrônomo Guilherme da Cunha Sales, da Emater.

Mais temporais

Voltou a chover forte ontem em algumas regiões de Belo Horizonte, porém, o Corpo de Bombeiros não registrou alagamentos ou quedas de árvores. A Região Leste da capital foi uma das mais atingidas, e motoristas enfrentaram forte enxurradas nos bairros Boa Vista e Santa Inês. De acordo com o meteorologista Ruibran dos Reis, do Insituto ClimaTempo, ainda hoje devem ocorrer pancadas isoladas na Região Central de Minas. Há previsão de temporal para municípios do Norte, Noroeste e vales do Jequitinhonha e Mucuri. Nas regiões Central, Zona da Mata, Sul e Triângulo o sol deve aparecer no sábado e domingo.


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