Jornal Estado de Minas

Impasse sobre estacionamento no Centro Histórico de Ouro Preto divide opiniões

Em novo capítulo de briga que começou há sete anos, vereador libera estacionamento que prefeito havia proibido no cartão-postal da cidade

Valquiria Lopes - Enviada especial
Com carros parados por todos os lados, tráfego ficou mais confuso na principal praça da antiga capital de Minas. Reconduzido ao cargo por liminar, prefeito promete retomar a proibição na próxima semana - Foto: EULER JÚNIOR/EM/D.A PRESS

Ouro Preto
– O que era uma simples disputa política se transformou em polêmica histórica no coração de uma das joias do patrimônio mineiro. Desde a última quarta-feira e pelo menos até a próxima segunda, a Praça Tiradentes, no Centro Histórico de Ouro Preto, reabriu as portas para o estacionamento de veículos, em decisão que deixou a cidade em pé de guerra. A proibição de parar carros no cartão-postal do município valia desde o início do ano, estabelecida pelo Decreto 3.705, de 30 de janeiro, mas a controvérsia sobre o tráfego no local já dura quase sete anos. O último lance da briga veio com o afastamento do atual prefeito, José Leandro Filho (PSDB), por decisão do Tribunal Regional Eleitoral (TRE). Ao assumir interinamente o cargo, em uma de suas primeiras providências o presidente da Câmara Municipal, Leonardo Edson Barbosa (PSDB), conhecido como Léo Feijoada, reabriu as vagas na praça. Comerciantes festejaram, enquanto entre moradores e turistas houve quem se revoltasse, por entender que a medida é um atentado ao aspecto visual e à preservação do entorno.

Ontem, depois de voltar à prefeitura sob força de liminar, José Leandro adiantou que pretende retomar a proibição na semana que vem. Afastado pelo TRE em ação interposta pela oposição, que questiona a prestação de contas em mandato de 1988, o prefeito voltou ao cargo por decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Em sua terceira gestão, o chefe do Executivo municipal garante que suas contas foram aprovadas e deixou claro que a disputa sobre o tráfego no Centro Histórico terá novos capítulos.

Ao Estado de Minas, o presidente da Câmara, Léo Feijoada, explicou sua motivação para a polêmica liberação das vagas na Praça Tiradentes.
“O prefeito decidiu acabar com o estacionamento sem fazer uma consulta pública. Essa medida arbitrária provocou grandes perdas para o comércio local, porque as pessoas não tinham como parar seus carros e não consumiam ali”, argumenta. Afirmando que houve perdas de até 60% nas vendas, o vereador defende a reconstrução de ilhas para pedestres – arrancadas no ano passado – e melhorias na sinalização. “Faixas para travessia já deveriam ter sido feitas. Se ficasse mais uma semana no cargo, eu iria mandar fazê-las”, disse.

Origem A disputa sobre a parada de veículos na Praça Tiradentes vem de 2008. Na época, um termo de ajustamento de conduta (TAC) foi firmado entre o Ministério Público e a Prefeitura de Ouro Preto para humanização do espaço. Foi nessa ocasião que ilhas para travessia foram construídas, próximo à entrada do Museu da Inconfidência e à Escola de Minas. Em 2013, as estruturas foram removidas por ordem do prefeito José Leandro, que acabara de assumir a administração. “Ele foi notificado a comprovar que a medida estava dentro do acordo para humanização da praça e, por isso, fez um grande projeto, inclusive com a proibição do estacionamento”, explicou o promotor Domingos Ventura de Miranda Júnior, da 4ª Promotoria de Ouro Preto. O documento, no entanto, ainda está sendo analisado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).

Na tarde dessa sexta-feira, o promotor afirmou que aguarda os próximos passos do prefeito para se manifestar no inquérito do MP sobre a situação das regras de tráfego de veículos e pessoas e do aspecto visual na praça. “Com a liberação da parada de carros, o problema tende a piorar, mas somente a vedação do estacionamento não é suficiente para humanizar o espaço e deixar o local livre para pedestres”, afirmou Domingos Ventura.

Ontem, a movimentação de carros no entorno da Praça Tiradentes era intensa. Além das vagas na área central, a permissão para estacionamento foi garantida na rua em frente à Câmara Municipal e à Escola de Minas, onde apenas uma faixa ficou livre para o trânsito. Com o tráfego pesado, motoristas sinalizavam uns para os outros, na tentativa de conseguir fluidez.
“Está uma bagunça, porque, além do movimento de entra e sai das vagas, muita gente quer parar em fila dupla”, disse um guarda municipal, que preferiu não ser identificado.

Para a empresária Carina Fernandes, de 42 anos, que há dois se mudou do Rio de Janeiro para Ouro Preto, a proibição deve prevalecer. “As pessoas precisam de uma praça com menos carros para aproveitar melhor o espaço. Tanto para quem mora aqui, quanto para os turistas”, defende. Há dois dias na cidade, o casal de turistas Alice Verônica Lira, de 36, e José Givanildo Santos, de 42, também se diz a favor da proibição. “Este é um local histórico e merece ser preservado. Estacionamento não combina com o lugar, pois a paisagem e o conjunto arquitetônico devem ser valorizados”, afirma Alice, que veio de Recife com o marido e os filhos João Arthur, de 3, e Gabriel, de 6.

Mas entre comerciantes, o dia ontem era de comemoração. Para Carlos Henrique de Souza, que tem loja na Praça Tiradentes, a permissão da parada vai garantir melhoria das vendas, que, segundo ele, caíram em torno de 50%. “Foi um período de agonia para todos nós. O turista que vem aqui precisa de lugar para parar. Sem vagas, ele passava direto e ia para Mariana ou Lavras Novas”, disse.
O comerciante Geraldo Cota, de 62, dono de um restaurante na Rua Direita, também celebra o retorno das vagas. “Quem vinha a Ouro Preto achava que esta era uma cidade abandonada, porque não havia movimento no centro. Até para quem mora aqui tinha ficado difícil. Não havia como parar para ir ao banco ou resolver demais compromissos”, afirma.

Polêmica histórica

Confira os lances da disputa que envolve o tráfego no coração da cidade que é Patrimônio da Humanidade

2008 – Prefeitura de Ouro Preto assina termo de ajustamento de conduta com o Ministério Público para humanizar o tráfego na Praça Tiradentes. Na ocasião, intervenções viárias, como a construção de ilhas para pedestres e elevação de passeios, foram feitas pelo município.

2013 – O prefeito José Leandro (PSDB) assume o cargo e ordena a retirada das ilhas. Notificado pelo MP a se explicar, ele apresenta projeto que prevê, entre outras medidas, a proibição do estacionamento no entorno da Praça Tiradentes.

2014 – Em 30 de janeiro é editado o Decreto Municipal 3.705, proibindo o estacionamento na Praça Tiradentes.

6 de novembro – O Tribunal Regional Eleitoral decide pela impugnação do registro do prefeito José Leandro, em ação que questiona a prestação de contas em mandato de 1988.

12 de novembro – O prefeito é afastado. Assume o cargo, interinamente, o presidente da Câmara Municipal, Leonardo Edson Barbosa, o Léo Feijoada. No mesmo dia ele revoga o decreto de proibição e libera o estacionamento no entorno da praça. Também demite 40 funcionários municipal e exonera secretários municipais de Turismo, Obras, Casa Civil e Cultura.

13 de novembro – O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) suspende decisão do TRE, permitindo, por meio de liminar, que José Leandro volte à prefeitura.

14 de novembro – O prefeito reassume e afirma que vai retomar a proibição de estacionamento no entorno da praça. Comerciantes, porém, deixam claro que apoiam a manutenção das vagas, alegando que vinham tendo prejuízo. .