A história do resgate de bens culturais no Brasil passa por Minas e, religiosamente, pelo Santuário de Santa Luzia, na cidade de mesmo nome, na Grande BH. No templo do século 18, estão três anjos barrocos que simbolizam a luta de autoridades, nos últimos 11 anos, para localizar tesouros desaparecidos ou furtados de templos coloniais do estado. Esse é apenas um dos fatos marcantes da igreja matriz, que estará em festa amanhã para celebrar os 270 anos da paróquia, com missa às 19h presidida pelo arcebispo metropolitano dom Walmor Oliveira de Azevedo.
“A data correta é 19 de novembro, mas achamos melhor comemorar no domingo e reunir grande número de fiéis”, diz o titular da Paróquia de Santa Luzia, padre Danil Marcelo dos Santos. “Teremos um período maior de celebração este ano, que irá até 13 de dezembro, dia no qual milhares de pessoas participam da tradicional festa da padroeira, com missas, procissão e bênçãos”, acrescenta. De tão extensa nos primórdios, a paróquia gerou outras na cidade e municípios vizinhos: São João Batista, Bom Jesus e Nossa Senhora Aparecida, em Santa Luzia; Nossa Senhora de Lourdes, em Vespasiano; Nossa Senhora da Conceição, em Jaboticatubas; Nossa Senhora da Saúde, em Lagoa Santa e outras.
Um dos destaques da missa de amanhá será a volta ao altar da imagem da padroeira restaurada pela especialista Carla Castro Silva. Ontem, ao dar os últimos retoques no manto da santa, ela destacava a importância e beleza da peça sacra esculpida em cedro, em meados do século 18, e agora livre da sujeira do tempo e de cupins. Considerada uma das igrejas mais seguras de Minas, com moderno sistema de vigilância, a matriz tem acervo inventariado pela arquidiocese e se encontra em área tombada pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico (Iepha-MG).
A história se completa com informações contidas no Inventário do Patrimônio Cultural da Arquidiocese de BH/Pontíficia Universidade Católica de Minas. Entre 1721 e 1729, a capela foi ampliada por iniciativa do capitão-mor João Ferreira dos Santos e outros pioneiros, com apoio do padre Lourenço de Valadares Vieira, vigário de Sabará. Assim, o templo se tornou capela filial da freguesia de Santo Antônio de Roça Grande, já que Santa Luzia estava vinculada à Vila Real de Nossa Senhora da Conceição de Sabará.
No livro Santa Luzia – Um pouco do seu passado –, o pesquisador Edelweiss Teixeira escreveu que a capela tinha ”vinte e dois passos de comprimento e doze de largura”. Os primeiros documentos históricos a ela referentes são um registro de casamento, datado de 30 de julho de 1729, e, seis anos depois, documento do primeiro sepultamento no cemitério ao lado da capela.
reação Mas nem tudo foram flores no início da Paróquia de Santa Luzia, criada em 19 de novembro de 1744 por decisão do bispo do Rio de Janeiro, dom Frei João da Cruz. A população de Roça Grande, por perder a posição da sede, foi se queixar ao bispo. Relatos do cônego Raimundo Trindade, autor de Instituição de igrejas no bispado de Mariana, mostram que a transferência foi anulada pelo desembargador do Paço da Bahia e só foi regularizada bem mais tarde, em 29 de fevereiro de 1780, por meio de ordem régia.
ENIGMA Visitar o Santuário de Santa Luzia, na Praça da Matriz, no Centro, é entrar num universo de fé, beleza e história. E fazer descobertas. O altar de São José tem um enigma a ser desvendado. Em 1989, durante a última restauração do templo, foram encontrados, na parte de trás do retábulo, um compasso e um esquadro esculpidos na madeira e em policromia dourada, que estariam relacionados à maçonaria. Já que foi deixada uma passagem sob a mesa do altar, é possível ver, com nitidez, a talha com o esquadro – para os maçons, símbolo de retidão e integridade de caráter –, e o compasso, que representa equilíbrio, justiça e vida correta. Pela tradição oral, as peças pertenceriam ao forro do interior do camarim, depois ocultado em razão da ligação com a iconografia maçônica. Estudiosos dizem que, como os entalhes do trono de São José são semelhantes ao altar-mor de Santa Luzia, é possível que ele estivesse à mostra no século 18.
MEMÓRIA
Ícones de uma batalha
Um dos pontos altos do trabalho de resgate dos bens culturais mineiros foi a luta dos moradores de Santa Luzia para reaver parte do acervo, no caso, três anjos barrocos do santuário que teriam sido vendidos, na década de 1950, e iriam a leilão no Rio. O caso foi parar na Justiça, depois que a aposentada Luzia Vieira, moradora de Santa Luzia, viu as fotos das peças, então sob poder de um colecionador, publicadas pelo EM.. Diante disso, a Associação Cultural Comunitária de Santa Luzia ajuizou ação para recuperar as peças e, por decisão da 2ª Vara Cível de Santa Luzia, os anjos foram excluídos do leilão e entregues ao Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico (Iepha-MG) para comprovação da origem e autenticidade. A tarefa, a cargo da arquiteta Selma Miranda, mostrou que as peças eram mesmo de Santa Luzia. Com a campanha capitaneada pelo Ministério Público, via Coordenadoria das Promotorias de Justiça do Patrimônio Cultural e Turístico, centenas de peças foram recuperadas e muitas retornaram à origem. .