Naquela tarde de 3 de novembro, o mundo deixou, por alguns instantes, de ser caótico. Congestionamentos fluíram, vizinhos foram solidários e até os cães pararam de latir para abrir passagem a uma mãe desesperada. Ângela de Oliveira Gonçaves de Melo pedia ajuda para salvar seu bebê Davi, de 2 meses, engasgado com o leite. Por milagre, os anjos já estavam a caminho da Rua Edimburgo, no Bairro Jardim Europa, em Venda Nova. O escolhido para a missão era um querubim de feições barrocas, cabelos em cacho e um tanto sujismundo, batizado como Gileadi Manassés, de 30 anos. O nome bíblico significa ‘bálsamo que cura’.
Em vez de asas, o anjo veio correndo, dependurado na carroceria de um grande caminhão, que parece ter o dom de tornar as pessoas felizes. Coletor de lixo da Superintendência de Limpeza Urbana (SLU) há quatro anos, Gileadi é também bombeiro civil. Ele apareceu no momento certo e no lugar certo.
Enquanto Ângela se derrama em elogios e choro, contando a íntegra da história, Gileadi abstrai todo o falatório. Esquece de ser celebridade e ignora as perguntas da entrevista quando finalmente consegue pegar Davi no colo. Ergue a criança no alto, como se fosse um troféu. Davi retribui o gesto, fazendo bolhas de cuspe na boca. Os dois se olham com cumplicidade. “Davi é um guerreiro. Tão pequeno e já venceu o gigante da morte”, compara a mãe, evangélica da igreja quadrangular. O coletor da SLU, que é batista, concorda com a mulher.
Ângela torna a repetir a história do sufocamento do bebê. Tenta rever os detalhes, identificando onde ela poderia ter falhado.
O ENCONTRO
Diante do desespero da mãe, o caminhão da SLU parou para acudir. O motorista foi o primeiro a descer. Com o sufoco, o outro coletor saiu correndo para chamar o colega, com formação em primeiros socorros. Gileadi já estava descendo a rua.
“Quando vi meu filho naquela situação pedi misericórdia a Deus”, diz a mãe. A mãe não se desgruda mais do filho. Por onde vai, leva junto Davi, no carrinho.
Para o aniversário de 1 ano, Ângela faz planos de decorar a festa com motivos da SLU. O reencontro entre Gileadi e Davi deu-se nessa terça-feira à tarde, depois que a assessoria da SLU avisou sobre o salvamento. “Ninguém entra para a profissão de coletor sem gostar muito. Todo coletor é feliz. Só assim para lidar com o lixo, que já não é coisa boa, e ainda correr no mínimo 16 quilômetros por dia.”.