O medo da violência à noite tem mudado a rotina de moradores de rua em Belo Horizonte. Com receio de agressões e até tentativas de assassinato, muitos deles dizem evitar dormir profundamente de madrugada e preferir tirar cochilos durante o dia. A mudança de hábito se reflete em parques e praças da capital, onde flagrantes de pessoas dormindo de manhã ou à tarde são mais frequentes, segundo relatos de comerciantes e moradores. Ontem, um grupo grande de pessoas descansava em cobertores ou pedaços de papelão no Parque Municipal, no Centro, e um homem chegou a armar uma rede pela manhã na Praça Diogo de Vasconcelos, na Savassi, Região Centro-Sul. Também há grupos que se concentram atrás da Igreja Sagrado Coração de Jesus, no Santa Efigênia.
Frequentador do Parque Municipal, Divino da Silva, de 56 anos, passa os dias com a companheira e amigos dormindo no gramado e só sai à noite, quando os portões são fechados. Ele vive nas ruas desde 2010 e conta que à noite, por medo, sempre muda de lugar. “Tenho medo de covardia. Tem gente que é agredida quando está dormindo”, disse.
Em censo feito pela Prefeitura de Belo Horizonte em novembro do ano passado, 44% dos 1.827 moradores de rua entrevistados disseram ter sido vítimas de violência praticada entre eles mesmos, em brigas motivadas por uso abusivo de álcool e drogas, disputa de território e outras desavenças. Também houve relatos de agressões por agentes públicos por civis, como porteiros e seguranças. De 2011 até ontem, foram 124 assassinatos de pessoas com trajetória de rua na capital mineira, segundo o Centro Nacional de Defesa dos Direitos Humanos da População em Situação de Rua (CNDDH), composto por representantes do Ministério Público, da Secretaria de Direitos Humanos do governo federal, da Pastoral da Rua e de duas organizações ligadas a pessoas com trajetória de rua.
Regras Para a coordenadora do Comitê de População de Rua da Prefeitura de Belo Horizonte, Soraya Romina, viver nas ruas não é digno e nem seguro para ninguém. “As pessoas ficam expostas às intempéries do tempo, ao preconceito, à invisibilidade social e à violência”, disse. Ela ressalta, porém, que há um conjunto de regras que as pessoas com trajetória de rua têm que cumprir nas unidades de atendimento institucional, como os abrigos. No albergue, são 400 pessoas pernoitando e há horários para chegar, de jantar, dormir e sair, segundo Soraya. “Se não houver regras, você não consegue fazer a gestão do espaço”, disse, lembrando que as pessoas não podem usar álcool ou outras drogas. “Nas ruas, muitas vezes as pessoas têm uma falsa ilusão de que ali elas estão de alguma forma protegidas pelo grupo que participam. Têm também uma falsa impressão de liberdade, de que pode usar drogas, dormir a hora que quiser e fazer outras atividades que acham que devem”, disse.
Nos albergues, os moradores de rua podem chegar por volta das 18h e são atendidos por assistentes sociais e psicólogos. Eles recebem um kit com toalha, sabonete, xampu e escova de dente antes do banho. Jantam e podem ficar até 23h fazendo atividades esportivas, vendo TV ou lendo. Às 23h, todos têm que ir para a cama, pois há muitos deles que trabalham e estudam no dia seguinte.
Pela manhã, o café é servido e depois todos voltam para as ruas.