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Estado de Minas

Entenda como funcionava esquema que fraudava Enem e provas de medicina em Minas

Polícia e MP estouram pela 2ª vez em um ano golpe envolvendo exame nacional e testes de medicina em Minas. Com alta tecnologia, fraude proporcionava vida de ostentação ao bando


25/11/2014 06:00 - atualizado 25/11/2014 11:29
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Dos 33 detidos no domingo em Belo Horizonte, 22 candidatos foram liberados. A maioria, sob fiança. Onze acusados de integrar a quadrilha foram encaminhados ao sistema prisional em Minas, entre eles um policial
Dos 33 detidos no domingo em Belo Horizonte, 22 candidatos foram liberados. A maioria, sob fiança. Onze acusados de integrar a quadrilha foram encaminhados ao sistema prisional em Minas, entre eles um policial (foto: Beto Magalhães/EM/D.A.Press)

Pela segunda vez em um ano, Minas Gerais aparece na rota das fraudes para burlar o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e vestibulares de medicina. Agora, as investigações reveladas pela Polícia Civil e pelo Ministério Público Estadual em Belo Horizonte apontam um moderno esquema de transmissão de gabaritos e trazem suspeitas de que as respostas do Enem de 2014 foram enviadas a candidatos de Minas, Mato Grosso, Espírito Santo, São Paulo e Bahia, conforme fontes ligadas ao inquérito policial. Como mostrou ontem o Estado de Minas, 33 pessoas foram levadas ao MP depois de detidas durante o vestibular da Faculdade de Ciências Médicas de BH, no domingo. Destas, 10 eram participantes do esquema, tiveram ratificada a prisão em flagrante e foram encaminhadas ao sistema prisional. Um policial civil de Governador Valadares, no Vale do Rio Doce, também envolvido no esquema, foi recolhido à casa de custódia da corporação. Dos 22 estudantes detidos, quatro não chegaram a ser flagrados com ponto eletrônico. Os outros 18 foram liberados mediante fiança. Durante os sete meses de apurações, há indícios de que pelo menos 60 pessoas teriam se beneficiado das fraudes.


Os desdobramentos relacionados ao Enem de 2014 cabem agora à Polícia Federal. Já se sabe que, para disparar respostas do exame nacional a candidatos de cinco estados, o grupo criminoso montou uma base em Pontes e Lacerda, município no interior do Mato Grosso. “Meia hora antes do concurso, uma pessoa ligada a um dos pontos de aplicação da cidade forneceu a prova”, diz uma fonte da investigação, que pediu anonimato. Os pilotos, pessoas com alto grau de conhecimentos – entre médicos residentes, estudantes de medicina e professores universitários –, se reuniram em uma pousada da cidade e rapidamente forneceram as respostas, enviadas aos interessados usando a tecnologia de pontos eletrônicos.

A operação que desbaratou o grupo no último domingo em BH foi batizada Hemostase II, em alusão a trabalho parecido comandado pela Polícia Civil de Caratinga, no Vale do Rio Doce, em dezembro do ano passado. Na ocasião, os investigadores descobriram que um grupo fornecia respostas a candidatos que faziam vestibulares de medicina em Minas e no Rio de Janeiro, além de colher fortes indícios da venda do gabarito do Enem de 2013. A Polícia Federal confirmou o fato relacionado àquela edição do exame nacional e está concluindo inquérito pedindo o indiciamento de 17 pessoas, 14 delas estudantes que fizeram os testes. O processo relativo aos outros casos está tramitando na Justiça de Caratinga.

Desta vez, o grupo é diferente e tudo indica que atuava de forma independente. A apuração começou a partir da denúncia de uma ex-namorada de um beneficiário do esquema. Segundo as investigações, os pilotos faziam as provas e as respostas eram encaminhadas aos cabeças, que disparavam as soluções via ponto eletrônico aos interessados. A quantia desembolsada pelas respostas variava entre R$ 60 mil e  R$ 200 mil . A organização celebrava, inclusive, contratos com os interessados, nos quais constavam referências sobre os pais de cada um. “Com essas informações, os responsáveis pelo esquema chegavam até a ameaçar os futuros médicos, ordenando que ficassem calados caso alguém fosse pego pela polícia”, afirma o investigador.

O grupo também combinava com os candidatos que eles fariam vários vestibulares, com o objetivo de passar em qualquer um deles. “Até janeiro do ano que vem, o calendário da quadrilha contava com 11 concursos. No caso dos vestibulares de medicina, o grupo atuou em faculdades particulares de Belo Horizonte, São Paulo e Mato Grosso”, acrescenta a fonte. Além dos presos, seis carros de alto padrão foram apreendidos, três deles ligados ao acusado Áureo Moura, um dos cabeças do esquema. Dois carros da marca Porshe estavam na casa dele, em Teófilo Otoni, no Vale do Mucuri. Áureo foi preso em BH, dentro de um modelo da Crysler, onde guardava um equipamento de comunicação via rádio. Outro veículo está ligado a Carlos Lobo, empresário mineiro morador de um condomínio suntuoso no Guarujá (SP) e outro acusado de liderar o bando. Mais dois carros estavam relacionados com pilotos do esquema.

O golpe usava duas formas de envio de dados aos candidatos, tendo pontos eletrônicos como principal ferramenta. Na primeira, o candidato portava também um pequeno receptor de rádio. Nesse esquema era necessário que um transmissor fosse posicionado nas imediações dos locais de aplicação das provas. O equipamento foi encontrado com o mineiro Áureo, no momento da prisão. Na segunda forma não era necessária a presença do radiocomunicador. Um chip telefônico era instalado em equipamentos disfarçados como cartões magnéticos, mas já preparados para funcionar como telefones celulares, apenas com a função de receber chamadas. Bastava fazer uma ligação ao número cadastrado para ativar a comunicação e concretizar a fraude.

‘Você não vai fazer igual?’

Enquanto a Polícia Civil ouvia os 33 encaminhados à delegacia acusados da fraude para acesso à universidade, 22 dos quais candidatos a ingressar na Faculdade de Ciências Médicas de BH, um dos pais que esperavam a saída dos filhos se manifestou. “Meu filho é vítima do sistema. No Brasil é assim que funciona: delegados, médicos e promotores pagam para ser aprovados nos concursos. Você não vai fazer igual?”, questionou o homem, que não quis se identificar. Morador do Mato Grosso, ele alegou que não tinha conhecimento da fraude. “Depois que a polícia fez a operação, meu filho me disse que venderia um veículo avaliado em cerca de R$ 30 mil para pagar pelo serviço de recebimento das respostas”, acrescentou.


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