Numa ponta, o lugar que já foi chamado “Caldeirão do Inferno”, em Santa Luzia. Na outra, a Região Centro-Sul, quadrante da Belo Horizonte “Cidade Jardim” dos mineiros. Em um desses extremos, o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) é 0,597. No outro, o indicador bate em 0,955, bem perto do número 1, que indica o topo da tabela. Em questão, vida longa e saudável, acesso ao conhecimento e padrão de vida – saúde, educação e renda. Em uma tarde de contrastes, o Estado de Minas percorreu bairros dos dois extremos – distantes 25 quilômetros apenas. A cor de terra do Bairro São Benedito, em Santa Luzia, está longe, bem longe, do verde cheio de vida observado no Bairro de Lourdes, Centro-Sul de BH. Costumes e necessidades são como Norte e Sul no traçado das vivências. Em ambos os lados, para muitos, não há tanto o que comemorar.
Lourdes divide com o Bairro Santo Agostinho, também na Zona Sul de BH, o título de mais bem conceituado da Grande BH dentro do IDHM, com 0,955. Esse indicador chega a ser 60% superior ao dos mais baixos bairros e regiões, que são Angu Duro, Bom Destino, Conjunto Palmital, Vila Baronesa, Vila das Acácias, Vila Ferraz, Vila dos Dragões, Vila Nova Esperança, Vila Serra Pelada e Vila Baronesa, todos em Santa Luzia, e Morro Alto, em Vespasiano, que apresentaram índice de 0,597. Em Belo Horizonte, nenhum bairro esteve entre os de piores índices. Uma explicação é que o percentual de pessoas com renda mensal inferior a R$ 70, consideradas extremamente pobres, caiu 66,8% na capital mineira, de 2,38% para 0,79% da população, entre 2000 e 2010. A quantidade de pobres, que recebem entre R$ 70 e R$ 140, foi reduzida em 64,04%, de 17,23% da população para 3,80%.
Trilhando os caminhos da diferença, na principal via de acesso a Santa Luzia, na saída da Linha Verde, o engarrafamento é quilométrico. Bem parecido com a Região Centro-Sul de Belo Horizonte, em todos os turnos do dia. Diferentes na Avenida Brasília são os carros – a maioria populares e mais velhos. Também se vê por lá veículos rebaixados, vidros baixos e música na maior altura. Obra na avenida afunila a passagem e complica ainda mais o trânsito. Mocinhas em roupas curtas – como na noite em BH – e rapazes em cabelos desenhados na navalha. Nada de fios tratados a peso de ouro nos estabelecimentos de beleza de luxo. Os salões são muitos, porém. Mas, na região, com R$ 10 é possível arranjar o visual. Tem trato no outro extremo que pode chegar a R$ 1 mil.
Para Geni Maria da Silva Teixeira, de 83 anos, o que mais falta no Conjunto Cristina, em Santa Luzia, é “quase tudo”. A pensionista, mãe de família, com nove filhos, 14 netos e quatro bisnetos, não vê grandes avanços na região. “Aqui melhorou muito pouco, meu filho. Saúde é um problema grave. Segurança, nem se fala. É muita droga e pouco policiamento”, reclama. Dona Geni chama a atenção para a falta de lazer para as crianças. “Temos aqui uma Praça da Juventude que, infelizmente, se tornou a praça das drogas. É muito triste. Falta espaço e boa ocupação para os jovens, que ficam muito expostos à violência”, lamenta.
Menos de 30 quilômetros dali, na Praça Marília de Dirceu, no Bairro de Lourdes, Marcos Viana Maia, de 28, também tem queixas sobre a qualidade de vida. Mas a maioria bem diferentes. “O custo de vida subiu demais. Morar no exterior é bem mais em conta”, avalia. Para o estudante de engenharia, nascido no Bairro Cidade Jardim, não houve melhoria na renda. “Pelo contrário. Na minha família e entre meus amigos, percebo ainda mais dificuldade”, avalia. De acordo com Marcos, a segurança é ponto mais crítico na Região Centro-Sul. O estudante, que tirou parte da tarde para levar o primo Felipe para brincar no Largo Luis de Camões, cobra melhores salários e maior qualificação para os policiais.
Desgosto De volta a Santa Luzia, Linha Verde acima, no Bairro Cristina B, Hélio Evangelista Brum, de 70, reclama da falta de postos de saúde. Também demonstra desgosto com o estado das ruas. “Olhe só… é muita sujeira, pedra e mato.” O futuro das crianças é outra preocupação de Hélio. “A criminalidade é um problema sério. Não existe nada de lazer para as crianças. Com isso, elas ficam sem opção. Não está certo”, diz. Quarteirão abaixo, meninos soltam papagaio. Na Rua Inácio de Loiola Oliveira, o garoto assustado com o carro da reportagem sugere: “Filma ali, filma ali… os tiros da polícia”. Na parede sem reboco, buracos de alto a baixo.
Embora a preocupação com segurança também marque presença, o clima é outro na Zona Sul de BH. O francês Tomás Neves, de 23, estudante de relações econômicas internacionais, veio pequeno, aos 2 anos, para Belo Horizonte. É morador do Bairro de Lourdes. Diz-se tranquilo com a região e fala em “liberdade sem medo”. “É uma região mais rica, com policiamento mais presente e sem nenhuma favela nos limites do bairro. Quando moramos no Sion, ao lado do aglomerado, havia mais medo, com casos de ação da marginalidade, infelizmente”, explica. Tomás avalia que melhoraram renda e oportunidades para os mais pobres. “Na UFMG, temos mais alunos vindos de escolas públicas, que trabalham durante o dia”, comenta. Para o estudante, situação crítica é a da mobilidade urbana – “sem comparação” com os países mais desenvolvidos.
Bárbara Carolaine, de 16, e Mel Amanda, de 13, percebem mais educação e melhor transporte em Santa Luzia. No entanto, cobram mais respeito por parte da polícia, que, segundo elas, trata todos do entorno na Praça da Juventude como bandidos. “A praça tinha tudo para ser um bom lugar para os jovens, mas é tanta violência e discriminação que falta paz para a comunidade”, lamenta Bárbara, que reclama ainda em falta de emprego e de bom atendimento nos postos de saúde. “Outro dia, precisei de atendimento, fui de tardinha ao posto e sai de madrugada. Saí pior do que quando cheguei”, critica. A irmã dela, Camila, está há cinco meses desempregada. “Não acho que a vida melhorou tanto assim”, avalia.