Está nas mãos do Ministério Público Federal (MPF) o destino do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) aplicado este ano. Por se tratar de teste promovido pela União, o Ministério Público de Minas e a Polícia Civil – responsáveis pela Operação Hemostase II, que desarticulou no domingo quadrilha especializada em fraudar a avaliação mais importante do país, assim como vestibulares de medicina – vão repassar para os procuradores federais o conteúdo das investigações relativas ao Enem. De acordo com as investigações, a organização criminosa teve acesso aos quatro cadernos de provas 10 minutos antes do horário de início do exame nacional, em uma escola do Mato Grosso. Duas pessoas que entregaram o material já foram identificadas. Há indícios também de que pelo menos duas edições anteriores do Enem tenham sido burladas pelo esquema, que já teria colocado centenas de pessoas na universidade. Médicos, empresários e fazendeiros estão na mira da próxima fase das investigações.
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Os investigadores acreditam que pelo menos 20 candidatos se beneficiaram do esquema nos dias 8 e 9 deste mês, quando foi aplicado o exame. Desses, três já foram identificados. De acordo com o superintendente da Polícia Civil, Jefferson Botelho, foram encontradas na casa de um dos líderes do bando, o mineiro Áureo Moura, que mora em Teófilo Otoni, no Vale do Mucuri, cadernos de provas de 2013 e 2012.
O Enem foi a única avaliação feita fora dos locais de prova pelos chamados “pilotos”, estudantes do 9º ano de medicina, residentes e pelo menos um professor. Eles resolveram as questões em uma pousada no entorno da escola na qual conseguiram acesso ao exame. O gabarito foi passado por meio de um sofisticado sistema composto por cartão de telefonia GSM e ponto eletrônico. O equipamento, que imita um cartão de crédito, é na verdade uma espécie de telefone celular, com meio centímetro de espessura e entrada para cabo, que pode ser guardado na carteira ou mesmo na embalagem lacrada fornecida pelos aplicadores como porta-objetos. As investigações registraram transmissões partindo do Mato Grosso para Minas Gerais, São Paulo, Bahia e Espírito Santo.
Já nos vestibulares de faculdades particulares de medicina, a logística era diferente, com transmissão feita por circuito de frequência de rádio. Além do Enem, as investigações apuraram fraude nos concursos de quatro faculdades, três delas do estado de São Paulo e uma de Minas – a Faculdade de Ciências Médicas, na capital. Áureo Moura informou em depoimento que somente ele, até janeiro, receberia R$ 3 milhões livres – outras cinco instituições teriam também o vestibular fraudado. Com cinco a seis anos de atuação, o suspeito disse ter colocado entre 500 a 600 pessoas na faculdade.
As apurações constataram ainda que havia planos da quadrilha de vender a frequência de rádio para outros grupos terem acesso aos gabaritos. “Estamos só arranhando a superfície do esquema. As investigações serão aprofundadas”, disse o promotor André Luís Garcia de Pinho. A intenção é chegar não somente a candidatos, mas também a atuais alunos e médicos que tenham se formado. Os pais dos estudantes também vão responder por fraude em concurso. Foi pedida a quebra de sigilo bancário de vários médicos, empresários de renome e fazendeiros.
O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) informou, por meio de nota, que ainda não foi contatado pela Polícia Civil de Minas sobre o teor das investigações, acrescentando que já pediu à Polícia Federal informações sobre o caso. Reafirmou ainda que “qualquer pessoa que tenha utilizado métodos ilícitos para obter vantagens no Enem será sumariamente eliminada do exame, sem prejuízo a outras sanções legais”.
EXONERAÇÃO O superintendente Jefferson Botelho informou ontem que o policial civil suspeito de participar do esquema, Daniel Silva Santa Clara, de 37 anos, pode ser exonerado. O suspeito está na polícia há cerca de quatro anos e, atualmente, se encontra afastado das atividades, devido a uma licença médica. Lotado na Delegacia de Tarumirim, no Vale do Rio Doce, responde a três processos administrativos na corregedoria da corporação: dois por peculato e um por falta administrativa. A suspeita é de que o investigador atuasse como olheiro do grupo, estando atento a provável movimentação da polícia para alertar a quadrilha. Daniel estava dentro de um veículo apreendido com um dos cabeças do grupo.
O grupo será enquadrado por formação de organização criminosa, fraude em certame de interesse público, falsidade ideológica e, em um segundo momento, lavagem de dinheiro. Dos 12 suspeitos presos, entre líderes e pilotos, 11 deverão ter a prisão preventiva decretada. Apenas um deles, o estudante de direito Vanil Vasconcelos Costa Junior, de 21, detido em Montes Claros anteontem, deverá ser liberado, pois não houve flagrante. Promotores e policiais vão investigar ainda a atuação de empresas na importação dos equipamentos eletrônicos e em possível esquema de lavagem de dinheiro.