Misto de esporte, luta, dança, música e muito ritmo, a roda de capoeira agora é do mundo. Em Paris, França, a Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (Unesco) aprovou, ontem, um dos símbolos mais conhecidos internacionalmente do Brasil como patrimônio cultural imaterial da humanidade. A definição na 9ª Sessão do Comitê Intergovernamental para a Salvaguarda retumbou de imediato em Minas, um dos estados com maior número de adeptos da arte que se confunde com a história dos negros no Brasil. Em Belo Horizonte, houve reunião comemorativa na Casa do Conde, sede do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), com mesa-redonda e apresentação de capoeiristas.
“Estamos muito felizes. Com o reconhecimento da Unesco, certamente vão se abrir mais portas de outros países para nossa capoeira”, disse Weverton Maurício Ribeiro, o Mestre Legalzinho, integrante do Conselho de Mestres de Capoeira de Minas Gerais. Ele lembrou que, em 2008, o Iphan destacou a roda de capoeira e o ofício dos mestres como patrimônios imateriais nacionais. “Com a definição da Unesco, fica melhor ainda, por isso comemoramos aqui hoje, ao lado de vários especialistas do patrimônio”, afirmou Mestre Legalzinho.
A roda de capoeira se junta a outras manifestações culturais e populares brasileiras já reconhecidas como patrimônio cultural imaterial da humanidade: samba de roda do Recôncavo Baiano (BA), arte kusiwa-pintura corporal (AP), frevo (PE) e Círio de Nazaré (PA). “O reconhecimento é uma conquista muito importante para a cultura brasileira. A capoeira tem raízes africanas que devem ser cada vez mais valorizadas. Trata-se de um patrimônio a ser mais conhecido e praticado em todo o mundo”, destacou a ministra interina da Cultura, Ana Cristina Wanzeler.
Segundo nota divulgada no site do Iphan, “o som do atabaque e do berimbau comoveu os representantes dos países presentes à sessão” em Paris. Segundo a presidente da instituição, Jurema Machado, a inscrição da roda de capoeira na lista representativa promoverá o aumento de sua visibilidade e também de outros bens culturais relacionados aos movimentos de luta contra a opressão, sobretudo os pertencentes às comunidades afrodescendentes.
“A roda de capoeira expressa a história de resistência negra no Brasil durante e após a escravidão. Seu reconhecimento como patrimônio demarca a conscientização sobre o valor da herança cultural africana, que, no passado, foi reprimida e discriminada”, conclui Jurema. A delegação contou ainda com a presença de capoeiristas brasileiros, entre eles, os mestres Cobra Mansa, Pirta, Peter, Paulão Kikongo, Sabiá e a Mestra Janja.
Símbolo brasileiro
Segundo pesquisas do Iphan, a capoeira ganhou força no país no século 17, em pleno período da escravidão, e se desenvolveu como forma de sociabilidade e solidariedade entre os africanos, numa estratégia para enfrentar o controle e a violência. Na atualidade, é um dos maiores símbolos da identidade brasileira e está presente em todo o território nacional, além de ser praticada em mais de 160 países. A roda de capoeira e o ofício dos mestres de capoeira estão inscritos, desde 2008, nos livros de Registro das Formas de Expressão e Registro dos Saberes. Profundamente ritualizado, o espaço da roda de capoeira reúne cantos e gestos que expressam uma visão de mundo, uma hierarquia, um código de ética, e revelam companheirismo e solidariedade. É na roda de capoeira que se formam e se consagram os grandes mestres, se transmitem e se reiteram práticas e valores tradicionais afro-brasileiros. Ainda de acordo com os pesquisadores do Iphan, “a roda é o lugar de socialização de conhecimentos e práticas, de aprender e aplicar saberes, testar limites e invenções, reverenciar os mais velhos e improvisar novos cantos e movimentos”.