Jornal Estado de Minas

Separação de bebês das mães dependentes de crack é alvo de críticas

Entidades ligadas aos direitos da mulher e da criança reagiram com um manifesto contra o destino das crianças, revelado pelo Estado de Minas

Guilherme Paranaiba
Argumento do MP é necessidade de proteger crianças de riscos das ruas - Foto: Renato Weil/EM/D.A Press 28/3/12

Enquanto Prefeitura de Belo Horizonte e Ministério Público não se entendem sobre o destino dos bebês de dependentes do crack, entidades ligadas aos direitos da mulher e da criança reagiram nessa segunda-feira com um manifesto contra a separação de mães e filhos, revelada pelo Estado de Minas. Duas recomendações emitidas pelo MP estão enchendo os abrigos de filhos de mães envolvidas com álcool e drogas. O argumento da Promotoria da Infância e da Juventude é de que a ausência de políticas públicas para tratamento a essa população coloca grávidas e recém-nascidos em risco de vida, o que tem motivado a separação precoce.

De janeiro a outubro deste ano, 232 meninos e meninas de até 2 anos foram encaminhados a abrigos de BH, dos quais 158 recém-nascidos, segundo dados fornecidos pelas entidades de direitos humanos. Esses grupos consideram que as recomendações do MP criam uma situação de arbitrariedade, que impede que essas pessoas sejam avaliadas pela rede assistencial da prefeitura de forma generalizada, com análise criteriosa de cada caso para tomar a melhor decisão.

Assinam manifesto nesse sentido, divulgado ontem, dois vereadores de Belo Horizonte e 10 entidades, entre sindicatos, conselhos regionais, organizações não governamentais (ONGs) e a Comissão Perinatal da Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte. A coordenadora da comissão, Sônia Lansky, diz que as recomendações do MP para abrigar crianças filhas de mães com histórico de uso de drogas criaram um cenário alarmante na capital. “Está acontecendo algo muito fora do normal. Temos uma epidemia de abrigamento de crianças”, afirma, argumentado que separar mãe e filho significa desistir da família, sem oferecer qualquer possibilidade de tratamento.

A representante do Fórum de Abrigos de Belo Horizonte, Denise Avelino, que também assina o manifesto, lembra que é logo no início da vida que os recém-nascidos criam apego e precisam de uma referência. Como o procedimento de saída dos abrigos é sempre mais lento, argumenta, ocorre uma ruptura prejudicial à vida da criança no momento em que ela deixa o local e vai para uma família substituta.
“Que seja feito um diagnóstico dessas crianças antes do acolhimento nos abrigos”, defende Denise, também conselheira do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA).

A vice-presidente do Sindicato dos Psicólogos do Estado de Minas Gerais, Letícia Gonçalves, que também é ligada à ONG Rede Feminista de Saúde, afirma que é necessário criar critérios para tomar as decisões de abrigamento. Segunda ela, o MP poderia intervir na situação de forma a ajudar a organizar uma estrutura assistencial. “Do jeito que foi colocado, as recomendações estão intensificando a opressão e a desigualdade, além de ampliar a violência contra a mulher”, critica.

Longe dos gêmeos

O debate que divide autoridades em BH tem como pano de fundo o drama de pessoas como a estudante de direito I. S. B., de 20 anos, que está decidida a ajudar a mãe, L. S. B., 36, a vencer a dependência de crack. O vício na pedra começou em 1993, mas está controlado há cerca de 11 meses. A abstinência veio quando L. estava no sexto mês da gestação de gêmeos. “Eu parei para ter meus bebês e a minha filha sempre esteve do meu lado. Eu queria muito estar junto deles agora”, diz a mãe.
As duas crianças foram encaminhadas a um abrigo, fruto das recomendações do Ministério Público. Para mãe e filha, isso tirou de L. o direito de criar os bebês, mesmo depois que ela parou de consumir crack e está buscando uma nova vida.

“Se ela estivesse usando a droga, eu seria a primeira pessoa a denunciar. Mas não é isso que está acontecendo. Meus irmãos foram do hospital para um abrigo e a última informação é de que a Justiça já os encaminhou para uma família substituta”, diz a universitária I..

L. é mãe de seis crianças, sendo que os dois mais velhos, incluindo I., foram adotados, porém, por famílias conhecidas. “Estamos organizando uma loja de roupas para ela trabalhar. Atualmente, está frequentando uma clínica com acompanhamento de psicólogo e psiquiatra para ser recuperar e mora com uma amiga. Não está na rua”, afirma a jovem, que cresceu em outra família, mas há dois anos tem passado os dias bem perto da mãe biológica, para ajudá-la.

Berçário forçado

158
recém-nascidos foram encaminhados a abrigos de BH de janeiro a outubro deste ano, segundo dados de entidades de direitos humanos..