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Estado de Minas

Destino dos bebês de usuárias de crack gera impasse entre MP, PBH e movimentos sociais

MP determina que crianças de mães usuárias sejam levadas para abrigos. PBH é contra e ameaça ir à Justiça e ONGs criticam isolamento


postado em 02/12/2014 06:00 / atualizado em 02/12/2014 07:55

Em ponto de consumo de drogas próximo à rodoviária da capital, A carioca Marcela Viana de Brito mostra o enxoval da filha, incrivelmente limpo, à espera da criança(foto: Fotos: Ramon Lisboa/EM/D.A Press)
Em ponto de consumo de drogas próximo à rodoviária da capital, A carioca Marcela Viana de Brito mostra o enxoval da filha, incrivelmente limpo, à espera da criança (foto: Fotos: Ramon Lisboa/EM/D.A Press)
O destino dos mais de 100 filhos de mães dependentes de álcool, crack e outras drogas, os chamados “órfãos do crack”, que já lotaram quatro abrigos de Belo Horizonte, conforme mostrou nessa segunda-feira o Estado de Minas, coloca autoridades e representantes da sociedade em rota de colisão. Enquanto o Ministério Público – responsável pela recomendação de separar mães e filhos – exige que o município crie abrigos conjuntos para acolhimento, movimentos sociais criticam o isolamento de recém-nascidos e a Prefeitura de BH já ameaça acionar a Justiça contra a determinação do MP. Em meio ao impasse, mulheres que sofrem de um lado com o vício e de outro com a distância de seus bebês imploram por mais uma chance. “Se tivesse uma clínica onde eu pudesse ir agora com a minha bebê, eu sairia da cracolândia”, jura a carioca Marcela Viana de Brito, de 33 anos, os últimos sete entregues ao vício da pedra.

Só de se lembrar da menina, nascida há 10 dias, os seios de Marcela se entumecem de leite. Ela fala da filha enquanto ajeita as roupinhas de bebê dispostas sobre uma colcha felpuda cor-de-rosa. Cheiram a talco e estão incrivelmente limpas, em meio à imundície de um dos pontos de consumo de crack localizado há anos atrás da rodoviária de BH. “Vou visitar minha filha no hospital, mas não vou poder amamentar, porque usei crack hoje. Estava nervosa por não ter dinheiro para pagar o enxoval dela”, desabafa a mãe, que sonha em entregar o neném aos cuidados da sogra. O pai também é dependente de crack. A avó materna cuida dos três filhos que Marcela deixou no Rio de Janeiro.

Na camisa que ela usava ontem, podia-se ler: “Drogas: este problema é nosso – abrace essa causa”. Apesar de apelos como esse, a reunião no Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA) ontem terminou em impasse em relação ao exame das Recomendações 05 e 06 da Promotoria de Justiça da Infância e da Juventude de BH, que determinam a comunicação imediata ao MP e ao Juizado sobre o nascimento de bebês filhos de mães com histórico de uso de crack.

“Há um impasse pelo fato de a retirada dos bebês das mães ser compulsória”, analisa a presidente do CMDCA, Márcia Alves. Os conselheiros decidiram pedir mais tempo para aprofundar o estudo do tema e retomar a votação em reunião extraordinária, já marcada para o próximo dia 18. “Precisamos nos dedicar a essa questão com mais afinco. Quem sabe não é esta a oportunidade para todo mundo olhar para a criança como ser único, que precisa de proteção, em vez de ficar cuidando da sua própria caixinha? Essa mobilização pode trazer bons frutos”, avalia.

Em ofício encaminhado em outubro à Prefeitura de Belo Horizonte, as promotoras Matilde Fazendeiro Patente e Maria de Lurdes Santa Gema alertaram sobre o repasse de recursos do Ministério da Saúde destinados à implantação de um projeto para o acolhimento institucional de mães sob tratamento, na companhia de seus bebês, a exemplo do que já existe em outros estados. O projeto teria esbarrado, porém, no artigo 19 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que garante o “direito à criança de ser criada e educada em ambiente livre da presença de pessoas dependentes de substâncias entorpecentes”.

"Se tivesse uma clínica onde eu pudesse ir agora com minha bebê, eu sairia da cracolândia" - Marcela Viana de Brito, de 33 anos (foto: Fotos: Ramon Lisboa/EM/D.A Press)
Com tantas orientações aparentemente conflitantes, a visita da carioca Marcela à bebê retida no Hospital Odilon Behrens apresenta dificuldades já na portaria da unidade. Ela não tem carteira de identidade. Mostra o papel de alta recebido no dia do parto, todo amassado. Só depois de muito insistir, é recebida pela assistente social, de quem leva um puxão de orelhas: “Desde o dia do parto, falei que você tinha de tirar o documento para mostrar que está com vontade de se recuperar”. Mas Marcela não tem dinheiro para nada. Tanto que vai a pé até o hospital. É informada de que a avó paterna tentou visitar o bebê, mas só poderia entrar acompanhada da mãe da criança. “Eu queria que ela ficasse com o bebê. Vou ficar com a menina na rua?”, tenta raciocinar ela.

REGRA E EXCEÇÃO
Diante da posição do MP – de que a falta de políticas públicas para oferecer tratamentos às gestantes traz risco à vida de mães e filhos, justificando o abrigamento –, a Secretaria Municipal de Saúde sustenta que o encaminhamento de bebês aos abrigos deve ser exceção, depois de esgotadas todas as possibilidades de atenção à família. Acrescenta ainda que a Procuradoria-Geral do Município estuda a melhor forma de intervir na questão.

Ao se manifestar sobre o assunto, a secretaria usa duas linhas para analisar a situação. Em primeiro lugar, sustenta que cada caso deve ser analisado de forma individual. “Não deve haver generalização da conduta a ser admitida na assistência às gestantes”, diz o texto. Por outro lado, a pasta acrescenta que o vínculo entre os profissionais de saúde e as pacientes deve ser fortalecido. “Dessa forma, os profissionais de saúde devem privilegiar a assistência em detrimento da delação, uma vez que (esse quadro) culmina pelo afastamento do usuário da rede”, diz a nota, referindo-se à obrigação de o profissional notificar o MP sobre o nascimento de filhos de dependentes químicas.

Para a coordenadora da Comissão Perinatal da Secretaria Municipal de Saúde, Sônia Lansky, esse cenário pode representar o afastamento das gestantes das maternidades, usando subterfúgios para terem seus bebês ou até mesmo indo para outros estados. “Tem gente pensando em entrar com habeas corpus preventivo para essas mulheres poderem ganhar seus bebês sossegadas na maternidade”, afirma ela. Sônia diz ainda que a situação chamou a atenção da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, que deve mandar representantes a Belo Horizonte amanhã para reunião sobre o assunto. A reportagem tentou contato com a secretaria em Brasília, mas não obteve retorno.




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