Lona preta, colchões, algumas panelas, peças de roupa e papelão formam a “casa” de Michele Geziane Freitas, de 28 anos, que mora há 10 nas ruas de Belo Horizonte. Ela e o companheiro dividem uma cabana improvisada na Avenida do Contorno, na altura do número 1.205, no Bairro Floresta, Região Leste da capital, local onde passam a maior parte do dia sem nenhuma atividade. A maior responsabilidade é tomar conta de três vira-latas – Bob, Tininha e Tomate. Alguns dias juntou-se ao casal Tatiana Cássia Galdino, de 28, que também não tem onde morar. O trio, que costuma cheirar cola para suportar as condições adversas, é o retrato da realidade que se repete em toda a cidade, em especial na Região Centro-Sul.
O aumento de habitações precarizadas nas calçadas de BH demonstra a fragilidade das políticas sociais voltadas para a população de rua. Lojistas, entidades de amparo aos moradores de rua e defensores dos direitos humanos são unânimes em dizer que o problema persiste e parece estar longe de ter uma solução. Entre 2005 e 2013, quando foi realizado o último Censo de População em Situação de Rua e Migrantes de BH, verificou-se um aumento de 57%, passando de 1.164 para 1.827 pessoas nessa situação.
Publicada em dezembro do ano passado, a Instrução Normativa Conjunta (INC) 01/2013 estabeleceu parâmetros para lidar com a população de rua nos espaços públicos, mas há exato um ano a paisagem não mudou. “Temos muitas pessoas na rua e os números são maiores do que o censo aponta. A nossa percepção é que muitas questões foram agravadas e outras não foram resolvidas. Algumas não são adequadas, como os albergues, e outras não insuficientes”, afirma Egídia Maria de Almeida Aixe, do Fórum da População de Rua de Belo Horizonte. Para ela, a instrução é falha do ponto de vista da constitucionalidade, pois fere a dignidade humana, e também não são efetivas. “As pessoas de quem os pertences são retiradas ou vão voltar às ruas ou vão se deslocar para outro lugar”, completa.
A avaliação do vice-presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas de Belo Horizonte (CDL-BH), Anderson Rocha, também é semelhante. “É uma questão complexa, que não está resolvida e está próximo de se transformar em algo crônico”, afirmou. Para ele, o problema se agrava pelo fato do crack e outras drogas terem chegado aos moradores de rua. Como integrante do Comitê de Monitoramento e Acompanhamento da Política Municipal para a População em Situação de Rua de BH, Anderson defende o encaminhamento esses moradores para os albergues. “É preciso criar dificuldade para que fiquem na rua e facilidades para que possam ir paras os abrigos”, diz.
Adriano reconhece, no entanto, que nem sempre as condições de funcionamento desses espaços se condicionam a quem está acostumado à indisciplina dos espaços públicos. É o caso de Edmilson Souza de Lima, de 56. Na tarde de ontem, ele aguardava o horário das 17h para entrar no Centro de Referência Especializado para Pessoas em Situação de Rua, na Rua Conselheiro Rocha, no Bairro Floresta. Todos os seus pertences cabem em dois sacos pretos que ele leva para onde vai.
Fenômeno é mundial
A coordenadora do Comitê de Acompanhamento e Monitoramento da Política Municipal para a População em Situação de Rua, Soraya Romino, afirmou que não é possível impedir o aumento de moradores nas ruas de Belo Horizonte neste período do ano. “O crescimento não é um fenômeno da capital mineira. É mundial. Nova York (EUA) tem 14 mil moradores de rua; Vancouver (Canadá), 2,5 mil”, avisa Soraya. Segundo ela, cerca de 60% vêm do interior de Minas, da Grande BH e até de outros estados. No período de fim de ano, segundo ela, há uma percepção de aumento, porque muitas pessoas vão pedir doações. “Muita gente passa o dia pedindo e depois volta para a casa”, diz.
A Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) ainda não tem um balanço dos objetos recolhidos depois da publicação da INC 01/13. A previsão é que o comitê se reuna em janeiro para avaliar as políticas sociais voltados para esse público vulnerável, inclusive a apreensão de objetos. De acordo com Soraya Romino, a instrução normativa permite apenas o recolhimento de objetos que não sejam de uso pessoal. "Já foram apreendidos armários de cozinha, colchão e até cofre." Roupas, documentos, mochilas, carros de material reciclável não podem ser recolhidos. Segundo ela, os colchões têm que ser analisados caso a caso. "Têm que ser avaliado dentro do contexto. Se estiver na porta de uma loja ou obstruindo a via pública pode ser alvo de apreensão", afirma.
Soraya garante que a abordagem é precedida de diálogo. "A gente pede para que separem o que eles têm necessidade e descartem o que estiver obstruindo o espaço público. A INC não é só para os moradores de rua faz parte da gestão do espaço público como um todo", diz. De acordo com ela, BH é referência nacional de atendimento à população de rua. Um dos destaques é o serviço especializado em abordagem social. Cerca de 90 profissionais de serviço social e psicologia fazem a abordagem individual a cada um dos 1.827 pessoas nas ruas nas nove regionais. Outro projeto é o Bolso Moradia que repassa R$ 500 mensais o aluguel de 300 beneficiados. (MMC).