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Estado de Minas NOSSA HOSTÓRIA:

Expansão da frota de veículos não acompanha crescimento da população

Crescimento da população de BH nas últimas quatro décadas exigiu investimentos na área de transporte coletivo, mas trajetória do serviço nunca foi satisfatória


postado em 06/12/2014 06:00 / atualizado em 06/12/2014 09:21

Para a realização da Copa do Mundo de 1950, Belo Horizonte ganhou bondes fechados, um dos avanços para a mobilidade urbana na época(foto: Arquivo EM 26/4/1950)
Para a realização da Copa do Mundo de 1950, Belo Horizonte ganhou bondes fechados, um dos avanços para a mobilidade urbana na época (foto: Arquivo EM 26/4/1950)

A evolução do transporte público de Belo Horizonte está intimamente ligada ao crescimento da capital. Bonde, trólebus, ônibus, metrô e o transporte rápido por ônibus – o BRT (Move) – estão na identidade deste serviço oferecido aos mineiros ao longo dos anos. Essencial para a locomoção das pessoas nas cidades, o transporte coletivo tem papel social e econômico, já que democratiza a mobilidade, à medida que facilita o ir e vir de todos os cidadãos que dependem ou escolhem usá-lo. No entanto, a trajetória desse serviço, necessário e imprescindível, nunca foi satisfatória, jamais atendeu as aspirações dos usuários. O reflexo está nas ruas: engarrafamentos e gargalos cada dia piores, enlouquecendo os cidadãos.

A pesquisadora de história da Fundação João Pinheiro (FJP) Maria do Carmo Andrade Gomes, autora do livro Omnibus: Uma história dos transportes coletivos, explica que “o transporte sempre foi deficitário”. O livro, patrocinado pela BHTrans e lançado no contexto do centenário de BH, é um registro rico da história do transporte público da cidade (o recorte foi até a criação da BHTrans) com intensa pesquisa histórica de documentos oficiais e do cotidiano da população nos jornais. “O transporte é um serviço público que, na maior parte da história, foi oferecido pela iniciativa privada. Desde os bondes, que tinham uma companhia elétrica no comando, houve oscilações ao longo da história. De forma direta, o poder público teve momentos menores, como no caso do trólebus, e até a década de 1930, quando o prefeito era subordinado ao Estado – ele não era eleito, mas nomeado.” A deficiência de contrato de cessão de serviço, portanto, é antiga.

Maria do Carmo explica que a capital teve o crescimento urbano desenfreado e pouco planejado “e o transporte coletivo foi submetido ao crescimento desordenado”. Ela conta que, nas décadas de 1950 e 1960, com a chegada dos ônibus a diesel, os interesses comerciais e empresariais determinaram o crescimento da cidade. Ou seja, “o serviço de transporte público chegava a locais (regiões periféricas) antes mesmo de estruturas básicas, como água e esgoto”. Enfim, sem planejamento seguro, o serviço público foi privatizado com uma lógica comercial no assentamento da população. “A verdade é que o desequilíbrio urbano se deu nas décadas de 1950 e 1960. BH foi planejada ao nascer, mas o projeto não teve sustentação no tempo. O historiador não pode julgar o plano do final do século 19, quando certamente tinha racionalidade e generosidade de todos os aspectos, mas a cidade cresceu com pouco planejamento, que agregasse o transporte e a evolução da capital”, diz Maria do Carmo. Historicamente, segundo ela, na segunda metade de 1950, com o governo de Juscelino Kubitschek, foi feita a opção pelo transporte sob rodas e, desde então, a indústria automobilística passou a ter grande força e peso. A valorização da cultura do automóvel virou até um processo de inclusão da população (ter um carro). “A opção de abandonar os trilhos foi gradativa, uma decisão geral do país. A ferrovia perdeu espaço para as estradas de rodagem; nada de bondes ou trolebus, asfaltamento e desvio dos rios para ter ruas livres para correr o transporte sobre rodas. Daí chegamos ao modelo de hoje – a cidade não comporta mais carro e ônibus – um disputa espaço com o outro”, destaca a pesquisadora da FJP.

Operacionalidade do Move enfrenta muitas dificuldades em alguns pontos do Centro da capital mineira(foto: Euler Júnior/EM/D.A Press)
Operacionalidade do Move enfrenta muitas dificuldades em alguns pontos do Centro da capital mineira (foto: Euler Júnior/EM/D.A Press)

COLETIVO
De acordo com Maria do Carmo, o Move chega para tentar solucionar um problema que é muito maior. Mesmo assim, só quem não pode ter carro usa o transporte público, numa total “inversão de bom planejamento”. A pesquisadora lembra ainda que, apesar da visão romantizada do bonde, o estudo para o livro Omnibus mostrou que “ele também era precário, havia acidentes, desconforto e luta pelo valor da passagem”. Por isso, ela enfatiza que, “da perspectiva histórica , o problema ou o culpado não é um partido político, esse ou aquele prefeito ou governador, é muito mais complexo. Há também uma estrutura familiar que domina o negócio do serviço público. Muitos têm uma visão catastrófica, mas há raízes mais profundas – o que não redime os políticos e os empresários de hoje. A solução não será de uma hora para outra”. Ela esclarece que “o grande problema é a forma de relação entre o poder público com o privado, que precisa trabalhar sempre em prol do interesse coletivo. Existem ações, a cidade tem o Plano Diretor, mas tem de ser mais agressiva no tratamento da questão”.

Yuri Mesquita, diretor do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, reforça a análise de Maria do Carmo. Ele confirma que os problemas do transporte público da capital são antigos, e o pico assustador foi no fim dos anos 1940 e 1950, com questões sérias, já que a cidade crescia e enfrentava problemas como aumento da frota de carros, falta de água e de gêneros alimentícios, especulação imobiliária, crescimento de vilas e favelas, falta de lugar para enterrar os mortos, lixo nas ruas. O problema urgente do transporte nesse período se dividia em duas frentes: transporte coletivo e aumento da frota particular. “De 1940 a 1970, o cenário urbano mudou. Córregos canalizados e vilas removidas – o asfalto tomou conta da cidade. As vias, esburacadas, não suportavam o fluxo, e o pedestre, desacostumado a tanto carro, sofria acidentes; não havia transporte coletivo para todo mundo – chegar ao Centro era um problema –, as pessoas andavam dependuradas nos bondes...” Para Yuri, organizar o transporte público demanda planejamento de longo prazo. “É preciso pensar a região metropolitana e não só BH.”

LINHA DO TEMPO

1902 – Em 7 de setembro é inaugurada a primeira linha de bonde elétrico em BH, com festa na Avenida Afonso Pena, esquina com Rua da Bahia, no Centro. Trilhos começaram a ser implantados dois anos antes

1947 – No ano em que BH ganha autonomia administrativa, o sistema de transporte está precário. O prefeito Otacílio Negrão de Lima faz consulta popular em busca de alternativas

1953 – O sistema de transporte por trolebus (ônibus elétricos) é inaugurado pelo prefeito Américo Renné Giannetti. Os primeiros quatro veículos são de fabricação norte-americana

1960 – Ônibus a diesel fortalecem o transporte coletivo de BH. Ao longo da década, esse transporte se consolidaria como primeiro no atendimento da população, então na faixa de 1 milhão de habitantes

1963 – Desativadas as últimas linhas de bonde de BH, que circulavam nos bairros Cachoeirinha, Gameleira, Bom Jesus, Horto, Padre Eustáquio e Cidade Ozanam

1986 – O metrô de BH, concebido no fim da década de 1970, entra em operação. A linha vai hoje do Vilarinho ao Eldorado

2010 – Começam obras do BRT, hoje conhecido como Move, sistema com pistas exclusivas e ônibus articulados

2014 –
Em 8 de março foi inaugurada a primeira fase do Move, o sistema de BRT (Bus Rapid Transit) de BH, trecho da Avenida Cristiano Machado (Estação São Gabriel/Centro).

 
Fique ligado

No museu...


Coleção Transporte – Itinerários Derradeiros. Nos jardins do Museu Histórico Abílio Barreto, encontra-se a exposição permanente, onde estão expostos veículos e maquinaria que estabelecem relação direta entre o desenvolvimento do sistema de transporte e o processo de evolução urbana de BH até meados do século 20: carro de boi, locomotiva a vapor, bonde elétrico, coche e elevador.

Serviço

Local: Museu Histórico Abílio Barreto
Endereço: Avenida Prudente de Morais, 202 – Cidade Jardim
Visitação: terça-feira a domingo, das 7h às 18h; quarta e quinta-feira, das 7h às 21h.
Contato: (31) 3277-8573
Entrada franca

Palavra de especialista

Célio Freitas, diretor de planejamento da BHTrans

O futuro

“Tudo que é complicado requer planejamento intensivo. Em 1993, a BHTrans assumiu o transporte público de Belo Horizonte. Sabemos que a qualidade desse serviço afeta e melhora a vida de toda a cidade. Antes de chegarmos ao sistema BRT, é importante destacar três mudanças determinantes para a evolução do transporte na capital. A PBH fez duas licitações para o transporte coletivo – um avanço; houve a mudança no embarque nos ônibus, que reduz muito a estatística de acidentes; e acabou com o “chiqueirinho”, que era degradante. O sistema geral, vem se aperfeiçoando desde a década de 2000 com a implantação da bilhetagem eletrônica (cartão BHBus) e carga à bordo. A partir de 2010 foi elaborado um plano de mobilidade que terá como legado 220 quilômetros de sistemas estruturais com dois grandes focos: BRT e metrô. O primeiro, com financiamento do governo federal, começou em 2010, e a última fase foi encerrada em agosto com as últimas linhas da Vilarinho e Estação Venda Nova. Os manuais de transporte estabelecem que são seis meses para refino e, partir de fevereiro, teremos dados concretos de avaliação. O que já temos são depoimentos dos usuários, bem positivos, principalmente quanto a redução da viagem de 37, 40 minutos para 10. Benefício indireto foi a revitalização das estações das avenidas Santos Dumont e Paraná, que revigoraram e reclassificaram o comércio da região. Há ainda os 70 quilômetros de ciclovias (o projeto é ter 200) e chegar ao Barreiro e Venda Nova) e 400 bicicletas compartilhadas. Estão em andamento projetos executivos para as linhas 2 – entre Barreiro e Calafate – e 3 – entre a Lagoinha e a Savassi e o Alto Santa Lúcia – do metrô e a extensão do BRT à Avenida Amazonas, até o Barreiro. Estudos estão adiantados, mas sem data. Outra medida é aumentar as faixas exclusivas de ônibus para 100 quilômetros. O transporte público deve fazer o cidadão deixar o carro em casa.”


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