Uberlândia – O tráfico que vem tornando a “conexão Triângulo Mineiro” uma das principais rotas da cocaína no Brasil enriquece integrantes de organizações criminosas, que levam uma vida de luxo e ostentação graças ao dinheiro do pó. Somente com a quadrilha desarticulada na Operação Navarro foram sequestrados quatro aviões, uma lancha, um jet ski, 28 automóveis, a maioria de luxo, além de quatro fazendas e 20 casas. “É muito dinheiro para quem manda a droga do exterior e muito dinheiro para quem a recebe em São Paulo e outros estados. Para o traficante do Triângulo seria uma menor parte. Mas, mesmo assim, estão fazendo fortuna na região”, observa o chefe da Federal em Uberlândia, delegado Carlos Henrique Cotta D’Ângelo.
As aeronaves que chegam com cocaína voam baixo. Elas têm combustível suficiente para decolar da fronteira dos países vizinhos com o Brasil e chegar ao Triângulo sem reabastecer. “Os aviões viajam pesados, com até 500 quilos de droga, piloto, copiloto e combustível de reserva. Mas, como voam muito baixo, enfrentam mais resistência do ar e o consumo aumenta. Mesmo se o aparelho cair, a região é mais desabitada e isso facilita para eles”, explica o delegado.
Dependendo da experiência de voo, pilotos contratados para transportar cocaína para o Brasil recebem de R$ 20 mil a R$ 40 mil por viagem, segundo apurou a PF do Triângulo Mineiro. “Descobrimos que muitos estão recusando viagem para cá, depois que colegas começaram a morrer em confrontos com a polícia. Há, inclusive, dificuldade de se conseguir piloto hoje”, conta o delegado D’Ângelo. Um dos reflexos apareceu em uma operação feita em Campo Florido: dois pilotos presos eram paraguaios, mal sabiam operar uma aeronave e, segundo o delegado, ganharam menos pelo serviço.
Logística
As investigações sobre o tráfico no Triângulo apontam que os criminosos perceberam que as características da região favorecem a logística das empresas idôneas, que recebem mercadorias e as distribuem para o resto do Brasil. Com isso, passaram a também se aproveitar dessas circunstâncias. Mas, de acordo com D’Ângelo, os criminosos que atuam na conexão Triângulo não são os donos da droga. “Eles recebem de grandes traficantes da Bolívia e do Paraguai e distribuem para o varejo de São Paulo e Rio de Janeiro. São só apoio, o entreposto. Esse tipo de gente está povoando o Triângulo, em razão de todas essas facilidades”, alerta o delegado.
Do local do pouso dos aviões, onde traficantes já esperam de carro, a cocaína segue para pontos considerados seguros, para ser repartida em quantidades menores. “A droga é fatiada e levada em carros de passeio para abastecer principalmente São Paulo, que recebe cerca de 80% da cocaína, mas também Rio de Janeiro, Minas, Espírito Santo, o Nordeste do país e até o exterior”, conta o delegado federal. Antes, segundo ele, a rota do tráfico era o Oeste paulista, a chamada “Rota Caipira”. Como a polícia fechou o cerco, os traficantes migraram para o Triângulo e para o Sul de Goiás.
Baixas na guerra contra o tráfico
Nos últimos anos, foram vários os confrontos entre agentes federais e traficantes no Triângulo Mineiro, com perseguições, troca de tiros e mortes. Na guerra contra o tráfico, policiais também estão perdendo a vida. Há quatro meses, um policial federal foi morto em um confronto no Oeste paulista. “Nossa equipe foi para a pista de pouso, só que os criminosos já estavam com um grupo de contenção em grande quantidade. Houve confronto e nosso policial morreu”, lamenta o delegado Carlos D’Ângelo.
Em fevereiro do ano passado, um integrante de uma quadrilha internacional foi morto em tiroteio com a PF de Uberaba, em Campo Florido. Outros quatro suspeitos foram baleados. Na ocasião, foram apreendidos 115 quilos de pasta-base de cocaína, dois fuzis, um deles com um lançador de granadas com selo das Forças Armadas da Colômbia, e munição. O tiroteio ocorreu quando a PF abordava um avião chegando com drogas do Paraguai. No confronto, o aparelho explodiu.
Em março de 2013, a PF interceptou um avião em Indianópolis e apreendeu 500 quilos de cocaína, avaliados em R$ 4 milhões, segundo cálculos da polícia. Os agentes interceptaram o bimotor em um pista de pouso clandestina, no meio de um canavial, e prenderam sete pessoas.
Na época, a PF apurou que dois aviões chegariam com drogas e montou campana na propriedade particular arrendada por uma usina de cana-de-açúcar. Os policiais se esconderam em uma mata e ficaram à espera da primeira aeronave. Assim que o avião parou na pista, houve o transbordo de drogas e de armas para uma picape, que rapidamente deixou o local.
Os federais não agiram de imediato e ficaram à espera da segunda aeronave, que chegou algum tempo depois. Foi quando houve troca de tiros e o piloto do avião foi morto. Mais 500 quilos da droga que estava no primeiro avião foram localizados três dias depois, em uma fazenda, já prontos para distribuição. “Era um bonde trazendo uma tonelada de cocaína de uma vez”, conta o delegado.
Em maio de 2013, os federais interceptaram com um carro um avião carregado com 265 quilos de cocaína, que tentava fugir de uma pista clandestina em Santa Vitória. As imagens rodaram o país. “A gente deu uma chacoalhada no negócio deles e eles começaram a fugir do Triângulo. Mas, se abrirmos a guarda, vão voltar”, disse o delegado Carlos D’Ângelo, que critica a segurança nacional. “Não estamos falando de fronteira. Estamos falando do coração do Brasil. O cara vem, entra e sai do país e ninguém faz nada”, disse.
De mero corredor a grande consumidor
Nas décadas de 1970 e 1980, segundo o delegado, o Brasil era apenas um corredor para a droga que saía da América Latina com destino à Europa e aos Estados Unidos. “Hoje, o Brasil é o segundo consumidor de cocaína do mundo. Por onde passa muita droga, vai ter também para consumo.”
Transportar maconha de avião não compensa, por ser mais barata do que a cocaína. “A maconha passa pela região em caminhões e vai direto para os mesmos destinos da cocaína”, conta o delegado federal. Segundo ele, 99% da maconha que passa pelo Triângulo sai do Paraguai e não precisa “descansar” na região, como o pó.
No Triângulo, a cocaína tem se tornado moeda de troca no mundo do tráfico. “Eles não falam mais em dinheiro. Falam em quantidade de cocaína para pagamento. Se a pessoa quer comprar um carro, uma casa ou comprar a polícia, vai com drogas”, revela o chefe da PF em Uberlândia.