Uberlândia – O piloto de um avião bimotor com 265 quilos de cocaína tenta levantar voo ao perceber a presença de agentes federais na pista clandestina disfarçada em meio ao canavial. Começa uma perseguição desigual entre a viatura e a aeronave, que acaba sendo parada pelos policiais com uma colisão. Comandante e copiloto, que traziam a droga do Paraguai, são presos com três traficantes que aguardavam o pó escondidos na plantação. Em outro enfrentamento da polícia com uma quadrilha internacional de drogas, um envolvido é morto, quatro são baleados e o avião do bando explode na troca de tiros. Pode parecer sinopse de filme de ação, mas são cenas reais, que marcaram o Triângulo Mineiro nos últimos três anos e têm se tornado rotina em uma região que vem se consolidando como um dos principais entrepostos de cocaína do país.
O comércio ilegal enriquece quadrilhas que ostentam patrimônio investido em fazendas, aviões, lanchas e carros de luxo graças ao tráfico, estimado em dezenas de toneladas. Agentes da PF que atuam na área dizem que se esforçam ao máximo na guerra contra as organizações criminosas, mas reclamam da estrutura deficitária. “Não consigo combater o tráfico de drogas com o efetivo que tenho. O governo federal só anuncia corte no orçamento e o tráfico só aumenta”, reclama o chefe da Federal em Uberlândia, delegado Carlos Henrique Cotta D’Ângelo.
A cocaína da Bolívia, Colômbia e Peru chega ao Triângulo de avião, tendo o Paraguai como escala.
O Triângulo Mineiro tornou-se entreposto comercial da coca refinada e da pasta-base pela sua localização geográfica e por ser uma área muito plana, segundo o delegado. Plantações de milho, soja e feijão somem de vista, e há entroncamentos rodoviários que favorecem a distribuição da mercadoria para toda a Região Sudeste do país e para o exterior. Segundo D’Ângelo, a distância dos grandes centros urbanos também é um atrativo. O Triângulo está a cerca de 500 quilômetros de Brasília, Belo Horizonte e São Paulo, e a 700 quilômetros de Campo Grande (MS), o que facilita a distribuição da droga, segundo ele.
Além disso, ainda têm inquéritos para investigar. “Isso nos angustia muito. Se tivéssemos 300 servidores, teríamos serviço para todos, pois ainda há muito o que ser feito.
A delegacia da PF de Uberaba também trabalha com número mínimo de policiais. São apenas 16 para atender a 28 municípios de todo o Sul do Triângulo e região do Rio Grande. “Uma briga de gato e rato”, compara o delegado, ressaltando que a quantidade de “ratos” é bem maior e que aviões continuam chegando até em comboio a fazendas de café, milho e soja, chegando a pousar em estradas vicinais, segundo ele, transportando até meia tonelada de cocaína cada um.
Pedido de socorro
Na zona rural de Uberlândia, fazendeiros estão assustados com a invasão dos traficantes e a PF tem estimulado a população a ajudá-la com informações para prender as quadrilhas. “A população passou a confiar no trabalho da Polícia Federal e está trazendo informações”, disse o delegado. Muitos produtores rurais procuram a corporação preocupados com o barulho de aviões em suas terras, com medo dos traficantes. “Eles são orientados a colocar um funcionário de confiança para ficar de prontidão. Gostaríamos de fazer muito mais, não só no combate às drogas, mas a nossa perna é curta”, lamenta o delegado.
A saída encontrada para trabalhar é pedir reforço a outras unidades da PF e também ceder agentes quando há denúncia de algum avião com drogas para chegar. Há duas semanas, Uberaba desencadeou uma operação de combate ao tráfico internacional em Iturama. Em Ituiutaba, a quantidade de drogas apreendidas este ano quadruplicou em relação à média histórica. Foram 500 quilos de cocaína apreendidos pela PF no município, sem contar as apreensões das polícias Civil e Militar.
Em 26 de outubro, a equipe de Uberlândia desarticulou uma das maiores organizações criminosas que atuavam no Triângulo. A Operação Navarro, como ficou conhecida, repercutiu nos estados de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás e São Paulo, totalizando 26 presos. “Investigações de um ano concluíram que eles faziam até três viagens de avião por mês, mas podem ter transportado muito mais do que 30 toneladas de cocaína”, conclui o delegado. Este ano, a PF do Triângulo fez três incinerações de drogas, 90% cocaína. “Não dá nem tempo de pegar maconha, com tanta cocaína que tem”, disse D’Ângelo.
A Superintendência da PF de Minas não se pronunciou sobre a denúncia de falta de efetivo que dificulta o trabalho de seus agentes no estado. Também não revelou a quantidade de drogas apreendidas este ano. .