Jornal Estado de Minas

IBGE mostra novo perfil das famílias mineiras

Síntese de Indicadores Sociais mostra impacto de uma década sobre lares mineiros: casais têm menos filhos, escolaridade é maior, mas jovens saem do "ninho" cada vez mais tarde

Valquiria Lopes
Glauber Teixeira, de 32 anos, com a mãe e o pai: roupa lavada e passada diariamente, comida pronta e poucos gastos formaram pacote irresistível para o publicitário, que não planeja deixar o lar paterno - Foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press
Um novo jeito de viver vem se consolidando em Minas e na Região Sudeste. As famílias estão cada vez mais enxutas, os filhos demoram a sair de casa e as pessoas vivem e estudam mais. Por outro lado, se mantém a predominância feminina no estado, onde 48,7% da população é formada por homens e 51,3%, por mulheres. Os dados que mostram a evolução dos perfis da população e das famílias no estado e no país, em uma década, foram revelados pela Síntese de Indicadores Sociais (SIS) 2014, estudo divulgado ontem pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, com base em dados de 2013 da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad).

De acordo com o levantamento, praticamente uma a cada cinco famílias é formada por casal sem filhos no Brasil (19,4%). O percentual é o mesmo para o Sudeste, e um pouco menor para Minas Gerais (18,9%). Mas, na comparação com 2004, todos os índices mostram que os brasileiros estão optando menos por herdeiros. Em 2004, os casais sem descendentes representavam 14,6% da população brasileira, 14,9% no Sudeste e 13% entre os mineiros. A mudança no perfil das unidades familiares tem relação direta com a queda na taxa de fecundidade, associada com o aumento do nível de escolaridade e da renda da população.


O número de filhos por família vem diminuindo desde a década de 1970, com o surgimento do anticoncepcional e o início do planejamento familiar. “Mas foi a partir dos anos 2000 que a queda da taxa de fecundidade ficou mais evidente, já que as mulheres passaram a estudar mais e a estar mais presentes no mercado de trabalho”, explica a demógrafa do IBGE Luciene Longo, que destaca ainda as implicações econômicas atualmente levadas em consideração na decisão de ter ou não filhos, como gastos com educação e demais cuidados que uma criança exige.

A turma das casadas que não planejam engravidar inclui a professora Alcione Lima Figueiredo, de 37 anos. “Estou casada há 11 anos e até hoje não tive filhos por opção. Não quero, por causa da minha profissão. Também refletimos muito sobre a responsabilidade de ter um filho. A gente fica pensando: ‘Com quem vai ficar a criança? Vou deixá-la na escolinha o dia todo?’”, disse a professora. Ao contrário de Alcione, o marido dela tem vontade de ser pai, mas não faz pressão, segundo ela. “Também gosto muito de viajar e um filho acabaria mudando muito a rotina. Se me arrepender depois, quem sabe adoto uma criança?”

Clique e compare dados regionais e nacionais da síntese de indicadores sociais (SIS)* - Foto: Arte/EMAlcione conta que, de vez em quando, ouve cobranças de conhecidos, mas ela diz não se constranger. “Minha mãe teve apenas duas filhas e a minha irmã teve um filho agora, depois dos 30 anos, e pretende ter no máximo dois. Minha família só está diminuindo”, conta a professora, que, mesmo assim, não abre mão do seu propósito. A família da professora retrata ainda outra realidade: a queda da taxa de fecundidade, que no Brasil passou de 2,3 filhos por casal, em 2004, para 1,77, em 2013.
Em Minas, o índice é ainda menor: de 2 herdeiros por casal, no primeiro período, passou para 1,63, no ano passado.

CANGURUS Já entre as famílias com descendentes, um fenômeno se torna marcante: o prolongamento da convivência familiar entre pais e filhos. Tanto que o fenômeno mereceu batismo: “geração canguru” é o termo usado para classificar aquele grupo de pessoas de 25 a 34 anos que ainda vivem na casa dos pais. Entre 2004 e 2013, a proporção de brasileiros nessa condição subiu de 21,2% para 24,6%. No Sudeste, o indicador bateu em 26,8%.

Para Luciene Longo, esse atraso para deixar o aconchego do lar paterno é característico da cultura brasileira. “Ao contrário dos jovens da Europa ou dos Estado Unidos, que saem de casa quando vão para a universidade, os brasileiros adiam essa decisão, porque geralmente estudam mais e postergam a entrada no mercado de trabalho. Para isso, tendem a permanecer com os pais. Alguns até contribuem financeiramente para o sustento da família, mas grande parte, provavelmente, mais usufrui”, avalia a demógrafa.

O publicitário Glauber Silva Teixeira, de 32 anos, é solteiro e não pensa em sair da casa dos pais tão cedo.
Pode ser que nunca, como admite. Pais e filho dividem um apartamento no Bairro Padre Eustáquio, Região Noroeste de Belo Horizonte, onde Glauber recebe tudo “de mão beijada”: comida, roupa lavada e, o mais importante, muito carinho da mãe e do pai. “Acho cômodo. Tenho facilidade e eles não implicam com nada. Saio e volto na hora que quero e, quando chego do trabalho, está tudo prontinho. Só tomo banho e vou direto jantar”, relata. A mãe, a professora aposentada Marilene Aparecida Silva Teixeira, de 63, não reclama de nada. Pelo contrário, faz tudo para agradar o filho: “Passo a roupa dele todo dia. Quando ele sai para trabalhar, já encontra calça, camisa, cueca e meia, tudo dobradinho. Ele é exigente e gosta de tudo impecável”.

Para Glauber, outra vantagem é que os pais são seus grandes amigos. “Se preciso conversar alguma coisa com eles, converso, peço ajuda, e não tenho cobrança de fazer nada dentro de casa. Por essa comodidade toda, acabei ficando”, conta ele, lembrando que ainda tem a vantagem financeira. “Contribuo pagando a TV a cabo”, disse o publicitário, que gasta o que restante do que recebe com roupas, carros, viagens e saídas com os amigos. “Não troco a minha liberdade por nada”, resume.

Para o presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFam), o advogado Rodrigo da Cunha Pereira, essa resistência em romper o laço familiar pode, no entanto, significar prejuízos à vida adulta. “Acho saudável sair de casa, para que os jovens tenham autonomia, sejam sujeitos da própria vida, tomem as rédeas do destino. Outro ganho é a independência financeira”, afirma. Por outro lado, a geração canguru exibe maior escolaridade (média de 10,9 anos de estudo), indicando que adiar a saída do “ninho” pode ter relação com maior dedicação à escola.

O SIS mostrou ainda que a expectativa de vida aumentou na população brasileira. Passou, de modo geral, dos 71,7 anos, em 2004, para 74,8, em 2013. Em Minas, o tempo de vida é ainda maior: saltou dos 73,2 anos para 76,6. As mineiras têm vida mais longa: 79,4 anos, no ano passado, contra 77,4 anos, em 2004..