Em Belo Horizonte, o dia ontem foi de tentar entender a tragédia para a família da criança, cujo corpo foi velado a partir das 11h no Bairro Barreiro de Baixo, Região do Barreiro, e enterrado no Cemitério da Paz, no Bairro Caiçara, Noroeste da capital. Aos poucos, parentes e amigos foram chegando para prestar a última homenagem à menina, que não resistiu depois de passar cerca de cinco horas trancada no carro da mãe. A mulher, de 36 anos, é técnica em eletrônica na Infraero, empresa na qual também trabalha o marido. Como o pai da criança, que normalmente levava a filha para o berçário, estava viajando, a mãe deveria deixá-la na escolinha.
No velório, a mãe da menina precisou ser amparada para conseguir caminhar até a capela 1, onde o corpo era velado. Muito abalada, ela chegou com o marido, que retornou à capital na manhã de ontem. Assim como a mulher, ele não tinha condições de falar sobre o episódio. Os outros dois filhos do casal também estiveram no velório. Um tio paterno da menina, que preferiu não ser identificado, disse que a cunhada é mãe cuidadosa, preocupada com os filhos e que o caso foi uma tragédia.
PRESSÃO DIÁRIA
Para o psiquiatra e psicanalista Mário Renato Villefort, o esquecimento da criança pode ter relação direta com o excesso de cobranças do dia a dia. “As pessoas estão sendo cada vez mais cobradas por metas, produtividade. Ao mesmo tempo, têm uma convivência intensa com recursos tecnológicos, que estão sempre à mão. Ainda se sentem abandonadas pelo sistema e sofrem com a perda das relações interpessoais e dos laços de família. Isso tudo somado pode resultar em esquecimentos como esses”, avalia Mário. Ele lembra ainda que o mês de dezembro, época de programação intensa, pode deixar as pessoas ainda mais estressadas e cansadas, o que pode resultar em alguma forma de negligência.
A quebra da rotina da mãe que esqueceu a criança no carro também foi destacada pelo médico psiquiatra Maurício Viotti Daker. Segundo ele, as pessoas, especialmente nos grandes centros, estão vivendo de forma automática e algo que mude esse cotidiano pode acabar sendo involuntariamente deixado de lado. O médico ressalta ainda os efeitos irreparáveis do trauma: “Em casos como esse, o estresse pós-traumático é enorme. Com certeza, essa família vai precisar de ajuda profissional para conviver com a perda da criança”.
No aeroporto da Pampulha, onde a maioria dos funcionários conhecia o casal, o clima ontem foi de consternação. “Estamos todos tristes e com muito pesar. Eles são muito queridos e muito conhecidos na empresa”, disse um colega de trabalho. Ainda segundo ele, a técnica atua na área de manutenção eletrônica, enquanto o marido trabalha no setor administrativo da regional da Infraero. “Ficamos todos chocados com a notícia. Ela é uma pessoa muito responsável e uma mãe carinhosa e dedicada.”
A tragédia hora a hora
Quarta-feira
12:30 A técnica em eletrônica de 36 anos, mãe da menina de 1 ano e 11 meses, sai de casa para ir ao aeroporto da Pampulha, onde trabalha.
17:30 A mãe sai do trabalho na intenção de buscar a filha. No caminho, não percebe a criança no banco traseiro. Ao chegar, é informada pelos funcionários da escola que a pequena não havia sido deixada na unidade naquele dia. A mulher corre até o carro, abre a porta e se depara com a menina desfalecida, entrando em desespero: “Matei minha filha!”.
18:00 O Serviço de Atendimento Móvel de Urgência é acionado. Uma equipe do Samu comparece ao local e constata o óbito. O corpo da criança é levado para o Instituto Médico Legal (IML). Muito nervosa e traumatizada, a mulher é encaminhada a um hospital. Mesmo após o atendimento, ela não reunia condições clínicas e psicológicas para prestar depoimento.
Quinta-feira
16:30 O corpo da criança é enterrado no Cemitério da Paz, depois de ter sido velado durante toda a manhã na Região do Barreiro..