Então é Natal. Na maior parte das famílias, os preparativos para o dia 25 estão nos ‘finalmentes’, como se diz, com o sorteio do amigo secreto, a compra dos últimos presentes, a faxina na casa, a vinda de familiares distantes e muitos comes e bebes. Nada disso está acontecendo, porém, nos 56 abrigos de Belo Horizonte, que acolhem neste exato momento 702 bebês, crianças e adolescentes, separados pela Justiça do convívio com os pais por medida de segurança contra maus-tratos, abuso e negligência, entre outros.
A chance de diminuir a solidão para essas crianças e adolescentes nesta época festiva é o programa de apadrinhamento afetivo no Natal. A meta do projeto é não deixar nenhuma criança sozinha nos abrigos. Coordenada pelo Centro de Voluntariado de Apoio ao Menor (Cevam), a iniciativa possibilita que os menores passem as festas de fim de ano na casa dos padrinhos, onde vão desfrutar da convivência provisória em um ambiente familiar. Parte deles poderá emendar com as férias escolares de janeiro e, se tiver sorte, será visitada o ano inteiro pelos protetores.
É nessas ocasiões que sobressai a principal diferença entre ser criado dentro de uma instituição, com profissionais contratados, regras firmes e a liberdade programada dos abrigos, e viver em uma família. No lar ideal, a criança ou adolescente iria crescer na companhia da mãe e/ou do pai, com limites negociados e a liberdade de abrir a geladeira da casa e tirar um iogurte, por exemplo. “Parece bonito colocar no abrigo os filhos das famílias pobres. Será que iriam permitir que os filhos dos ricos, muitas vezes alcoólatras e até dependentes de drogas, fossem deixados em um abrigo no Natal e no ano-novo?”, questiona o promotor de Uberlândia, Jadir Cirqueira. Em trabalho premiado pelo Ministério Público de Minas Gerais, ele esvaziou os abrigos da cidade. Dos 240 meninos abrigados, devolveu 200 para os parentes próximos. Só restaram 40 sem condições de voltar para casa.
PROTEÇÃO “Gosto mais ou menos do abrigo, pois sei que aqui estou protegido. Mas queria mesmo era ter uma família”, desabafa o cadeirante Davi*, de 15 anos, que ano passado passou o Natal sozinho no abrigo, na região da Pampulha. Portador de síndrome degenerativa irreversível, Davi é um adolescente de bem com a vida. Gosta de usar roupas novas, tênis e cabelo penteado com gel, diariamente. Vive há seis anos na instituição, desde que a mãe foi assassinada por traficantes, aos 27 anos. As irmãs foram adotadas na Espanha. Segundo dados do Cadastro Nacional de Adoção, adolescentes como ele despertam o interesse de menos de 1% das famílias que sonham em adotar filhos no Brasil.
“O importante é que um bebê passe o menor tempo possível dentro de uma instituição”, defende Jane Valente, secretária de Cidadania, Assistência e Inclusão Social de Campinas (SP), cidade que se tornou referência nacional e internacional em acolhimento familiar dos bebês até 3 anos.