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Estado de Minas

Músico encara a hora de deixar abrigo onde cresceu por atingir idade limite

Perto de atingir 18 anos, a idade limite, Paulo terá que procurar um novo lar. Prefeitura de BH vai criar repúblicas para os que enfrentam mais essa provação


postado em 23/12/2014 06:00 / atualizado em 23/12/2014 08:04

Paulo, separado dos irmãos aos 8 anos e, no abrigo, 'muito velho' para ser adotado: 'Agora, seremos só eu e Deus'(foto: Fotos: Túlio Santos/EM/D.A PRESS)
Paulo, separado dos irmãos aos 8 anos e, no abrigo, 'muito velho' para ser adotado: 'Agora, seremos só eu e Deus' (foto: Fotos: Túlio Santos/EM/D.A PRESS)

Prestes a completar 18 anos, Paulo terá de deixar o abrigo onde vive, no Bairro Carlos Prates, na Região Noroeste de Belo Horizonte, assim que fizer aniversário e atingir o limite de idade previsto para o acolhimento. Quando cruzar a porta e se vir sozinho no mundo, vai precisar de algo além de um cantinho e um violão. “A partir de agora, seremos só eu e Deus”, diz o rapaz, com jeito firme e o olhar parado no tempo, por trás do qual, entre incertezas e esperança, guarda o sonho de se tornar músico.

Esse é um momento crítico para jovens que assistiram à aproximação da fase adulta pelas janelas dos abrigos. Na maior parte dos casos, quando a idade máxima chega, a independência, antes de ser meta, é um desafio. Para esses, a Prefeitura de Belo Horizonte projeta para 2015 a criação de três repúblicas destinadas a jovens de 18 a 21 anos, provenientes de abrigos e de centros de internação para infratores. O edital já saiu, oficializando o programa que tem aprovação do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA). “Tivemos um embate, pois o próprio conselho não sabia como legislar para a faixa etária acima dos 18 anos. Fizemos uma resolução, mostrando a necessidade de acolher os jovens adultos até conseguirem abrir caminho na vida”, define Helizabeth Itaboraí, gerente de Abrigamento do município.

O desafio é ainda maior para aquela parcela dos acolhidos nas instituições que apresenta sério comprometimento do desenvolvimento motor e neurológico, o que dificulta encarar a maturidade sem o apoio da família. Mas não é esse o caso de Paulo. Descrito na ficha pessoal como “um menino amável, tranquilo e justo”, ele quer ser livre e independente. “Vou sair daqui pela porta da frente, de cabeça erguida, e tentar traçar o melhor caminho possível para a minha vida. Minha família era muito humilde. Quis o destino que eu viesse para um abrigo. Era para ser assim. Não nasci para perder, mas para vencer”, decreta.

Mara atinge a maioridade em janeiro: sem ideias sobre o futuro(foto: fotos: Túlio Santos/EM/D.A PRESS)
Mara atinge a maioridade em janeiro: sem ideias sobre o futuro (foto: fotos: Túlio Santos/EM/D.A PRESS)
ESPALHADOS PELO MUNDO


Paulo tem uma longa história de acolhimento institucional. Aos 8 anos, foi separado da família com as irmãs mais novas, de 6 e 4 anos. Uma mora em São Paulo; a outra está em Portugal, onde a mãe adotiva cursa doutorado. Os três têm pouco contato entre si. Dos outros dois irmãos mais velhos, Paulo deixou de ter notícias há tempos. Segundo a assistente social, eles teriam sido mortos na guerra do tráfico.

“Acredito que minhas irmãs foram adotadas por dois motivos: primeiro, por serem meninas, segundo, porque ainda eram novas. Já eu não tive chances, porque estava muito velho”, compara, definindo o conceito de idade para quem sonha com uma família. Paulo sabe o que fala. De fato, 8 anos é a idade limite normalmente aceita pelos interessados em adotar um filho. Acima dela, as oportunidades caem a menos de 1%, segundo o Cadastro Nacional de Adoção. Além disso, embora mais de 60% dos casais sejam indiferentes em relação ao sexo da criança, as meninas têm chances mais de três vezes superiores de serem escolhidas (31,1%) em comparação com os meninos (9,7%).

Incentivado pelos educadores a buscar a própria autonomia, Paulo trabalha desde os 14 anos. Nesse intervalo, guardou os valores recebidos na poupança. Ao deixar a instituição de acolhimento, terá uma quantia mínima para financiar aluguel e despesas básicas. O maior desafio será dar continuidade aos estudos. “Esse é o maior problema das crianças e adolescentes acolhidos. Se em famílias comuns pais e mães não estão dando conta de ficar em cima das crianças e acabam pagando aulas de reforço, imagine a situação dentro das instituições, onde a maior parte dos internos apresenta dificuldades de aprendizagem”, compara a assistente social Maria Clara Braga.

No abrigo há sala de estudos e biblioteca, que ainda não faz sucesso entre os internos, incluindo Paulo, emperrado no 1º ano do ensino médio. “Se eu acho que vou concluir os estudos? Não, eu não acho. Eu tenho certeza”, garante o jovem, que pretende se matricular em uma faculdade de música. Ele aprendeu sozinho a tocar violão e a tirar as músicas “de ouvido”. Por meio da internet, sabe acessar os acordes mais difíceis de Eric Clapton e Led Zeppelin nos sites de cifras. Vai treinando, treinando, até conseguir executar a canção. Ele tem o dom. E determinação. Quando os 18 chegarem, vai com eles em busca de oportunidades.

 

Um outro modelo com novos desafios

O modelo das repúblicas para jovens já foi testado por algumas das entidades de acolhimento de adolescentes, que não sabiam como desligar os internos que atingiam 18 anos. É o caso da Associação Irmão Sol, que chegou a contar com uma entidade nesses moldes. “Soube que vai fechar, porque não estava funcionando e apenas prolongava a institucionalização do isolamento dos jovens”, comenta Frederico Suppa, coordenador de um dos abrigos vinculados à entidade. Segundo ele, a república dava suporte financeiro aos egressos dos abrigos, que bancavam apenas a alimentação. Em contrapartida, contavam com água, luz e moradia gratuitos.

Na casa de acolhimento para meninas da Região da Pampulha, Mara se prepara para chegar à maioridade em janeiro. Ela e a colega Bárbara, na mesma situação, estão mais preocupadas com o tema da festa de aniversário. Com sérias dificuldades de aprendizagem, elas não fazem ideia de onde vão morar depois da saída do abrigo. “Acho que vou morar com minha tia. Era lá que eu morava quando eu era pequena. Mas não sei se vai ser bom”, desconfia Mara, que toma oito tipos de remédios controlados e passa o tempo confeccionando bijuterias dentro da instituição. Ingênua, ela oferece um colar de contas verdes a R$ 4.

Ao tentar vender outro colar, para a esposa do coordenador da casa, sobre o preço para R$ 15. “Ora, quer dizer que o meu é mais caro?”, brinca Mizael de Jesus Lima Cardoso, todo sorrisos. Enquanto conversa com a equipe de reportagem, ele é interpelado a todo tempo pelas garotas, que pedem conselho, trocados, passagens de ônibus. “Ainda não está definido se as repúblicas para jovens de BH serão exclusivas para egressos dos abrigos ou se vão misturar com infratores em semi-liberdade. Na minha opinião, os perfis são totalmente diferentes”, adverte.

Para atar os laços

Desde o domingo, o Estado de Minas publica a série “À espera de um lar”, que revela as angústias de quem já começa a vida enfrentando o desafio de se separar da família biológica e sonhando com a adoção. A primeira reportagem mostrou que o apadrinhamento natalino é uma forma de diminuir a solidão dessas crianças e adolescentes, muitos sofrendo de depressão e ansiedade. Ontem, o EM revelou que a separação pode também terminar com outro tipo de final feliz, com pais que perderam a guarda lutando para reataros laços com os filhos e reconstituir o ambiente familiar.   


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