As lágrimas escorriam pelo rosto. Segurando firme no aparelho, o menino de 8 anos dizia: “Não aguento mais sentir dor hoje”. Cada movimento no estabilizador, equipamento para alongar o corpo, é insuportável. Afinal, as pernas ainda frágeis, antes tortas, passaram por complexa cirurgia. Ossos serrados e 12 parafusos em cada lado, da coxa à altura do joelho. A rotina de Caio Francisco Almeida Menes é dura e requer disciplina. Sofrimento repetido três vezes ao dia. E cicatrizes explicadas de maneira doce nas palavras dele mesmo. “Os pontos são a marca da superação. Quando alguém perguntar, direi que ultrapassei meus limites, vencendo um dia após o outro.”
O garoto é filho da dona de casa Maria José Almeida Santos Ribeiro, de 30 anos, mãe de duas crianças cadeirantes – Caio e Vítor Ribeiro Menes, de 3, e de um bebê, Paulo Alexandre, de 1 ano completado este mês –, cuja história e a batalha diária para andar com os filhos nos ônibus de Belo Horizonte foram mostradas em abril nas páginas do Estado de Minas. Este ano, no Natal da família, esperança não é apenas uma palavra bonita de ocasião nem votos de fim de ano ditos aleatoriamente. É realidade. É sentimento no qual eles se agarram para garantir em 2015 um ano verdadeiramente novo. À véspera da celebração do nascimento de Cristo, a reportagem visitou a família na casa simples do Bairro Tancredo Neves, em Ribeirão das Neves, na Região Metropolitana de Belo Horizonte.
Nove meses depois do primeiro encontro, a luta da dona de casa aumentou. Mas os apoios que surgiram de outros tantos anônimos deixaram esses tempos difíceis menos pesados. Caio fez a cirurgia há 45 dias e, há 20, tirou o gesso. São três sessões diárias de alongamento, pela manhã, tarde e noite, quando está em casa. Na Associação Mineira de Reabilitação (AMR), no Bairro Mangabeiras, Região Centro-Sul de BH, onde faz tratamento desde que nasceu, o esforço é mais intenso do que nunca. O processo de recuperação é demorado. Requer paciência e, sobretudo, colaboração de todos, principalmente do próprio menino.
Nos fins de semana e nos recessos de Natal e réveillon, os mesmos tratamentos da AMR são feitos em casa. Maria José construiu, no cantinho onde antes guardava as cadeiras de rodas, um cômodo improvisado, no corredor da entrada, para acomodar os meninos e deixar os treinamentos mais confortáveis. Cama, televisão, DVD e até os enfeites de Natal, com direito a árvore e cortina de pisca-pisca, compõem o ambiente. Na parede, quadro para as atividades da terapia ocupacional e lições de fonoaudiologia. “Faço os mesmos exercícios aqui, para o pessoal da AMR ver que estamos nos esforçando. Tenho um pouco de professora, de mãe e de fisioterapeuta. Por isso, meu filho me pôs o apelido de X-Tudo, como o sanduíche.”
No armário improvisado, espaço para brinquedos e para a minibiblioteca. O cantinho de reabilitação virou espaço para oficina de artes. E, enquanto Caio chora, o pequeno Vítor fica sereno e tranquilo, literalmente, pintando o sete com seus pincéis e canetinhas. O caçula está sempre por perto, sorridente e andando para todo lado. Ele mostra desde cedo que será um supercompanheiro. Há poucos dias, pegou na geladeira uma bandeja de iogurte, que saiu arrastando até o lado de fora da casa. Dois estouraram no meio do caminho. A cada um dos irmãos deu um pote e, só depois, pegou o que lhe era de direito. Cena que fez a mãe se derramar em lágrimas.
Só o tempo dirá se Vítor poderá também algum dia passar pela mesma cirurgia do primogênito, que já dava alguns passinhos, mesmo com as pernas tortas. Agora, Caio terá de reaprender a andar. E apenas em fevereiro vai saber se poderá fazer operação para corrigir os pés. “O tratamento dos meninos é rigoroso por causa da expectativa de melhora.”
PASSEIOS Maria José não vê a hora em que poderá voltar a levar os três filhos ao Parque Municipal, onde se divertem no carrossel e demais brinquedos. Por enquanto, é difícil sair com Caio. Passeios só na pracinha do bairro vizinho, o Xangrilá, onde Maria José brinca de rodar as cadeiras, enquanto o mais novo do trio se diverte no chão. Ela, que está acostumada a sair sozinha com as duas cadeiras e o bebê no canguru, teve que rearranjar a vida para levar Caio à reabilitação. A família conseguiu um carro emprestado para o marido, que trabalha à noite, levar o menino ao tratamento.
De ônibus agora, só quando Caio não tem fisioterapia. E, segundo ela, as condições nos coletivos da cidade só pioram. As mães que dependem do 4103 (Aparecida/Mangabeiras) e, na ida à AMR devem fazer baldeação no Hospital Hilton Rocha, convivem agora com uma linha que passa direto pelo ponto, deixando mães e filhos para trás e atrasando aqueles que, se não chegarem a tempo ao tratamento, tomam advertência e correm o risco de perder a preciosa vaga. Maria José entrou na Justiça para ter garantido o direito de andar com os dois filhos nos ônibus. Há anos, ela convive com a recusa e a falta de tato e educação de motoristas e cobradores.
Mas, no Natal, a mamãe Noel, ou mamãe X-Tudo, está sempre sorridente: “Posso estar mal, mas se me perguntam, digo que estou sempre bem”. Ela agradece as doações de leite e fraldas que costuma receber, mas se sente desconfortável se alguém lhe dá dinheiro: “Ganhando dinheiro a gente não progride. O que quero mesmo é tirar minha carteira, abrir meu restaurante e cuidar dos meus filhos. É só nisso que penso”. Que 2015 venha com muitas mudanças, expectativa, mais lutas e realizações, nas palavras da mulher. E, como num verdadeiro conto de Natal, a bota e o gorro de Papai Noel têm um pedido muito especial, do mais velho das crianças: “Queria tanto que aprendêssemos a dar cambalhotas e a pular…” Resta agora, ao Papai Noel da vida, a missão de tornar um desejo tão puro a mais nobre realidade.