Jornal Estado de Minas

À espera de um lar

Promotor tem 95% de sucesso na devolução de crianças à famílias

Representante do Ministério Público avaliou individualmente 440 casos para tentar retirar crianças de abrigos e devolvê-las a familiares. Só não conseguiu sucesso em 5% dos processos

Pedro Ferreira - Enviado Especial
Jadir com uma das famílias beneficiadas: abrigo deve ser temporário - Foto: Beto Novaes/EM/D.A Press
Uberlândia
– Os processos de acolhimentos de menores não representam um transtorno e um desafio apenas para os pequenos, para as famílias e para a estrutura de assistência social. Sobrecarregam também a Justiça. Para cada caso, são abertos, no mínimo, dois processos: um da destituição dos pais e outro para acompanhar a vida da criança. Ao todo, foram 440 ações que o promotor Jadir Cirqueira, da Vara da Infância e Juventude de Uberlândia, no Triângulo Mineiro, levou para casa para estudar individualmente e verificar se era possível fazer a devolução das crianças às famílias.


Em seu próprio carro, o promotor visitou mais de 100 casas em bairros da periferia de Uberlândia. “Eu vi nos processos que havia uma chance de devolver as crianças às famílias. Conversei com todas elas e fiz um acordo formal. Perguntei: ‘Vocês querem receber a criança de volta?’”, disse.

Muitos pais se emocionaram, segundo ele.


O segundo passo foi conversar com as próprias crianças nos abrigos, para saber se elas queriam voltar para os pais. “Tivemos muito cuidado. O pai que praticou abuso sexual não recebeu a criança de volta. O pai que traficava drogas, também não. Mas todos eles tinham avós, tios e tias que queriam cuidar das crianças”, disse Jadir.


A devolução é demorada e para agilizar o processo o promotor contou com o apoio dos abrigos, que tinham um relatório de cada situação. A prefeitura também assumiu o compromisso de monitorar o retorno das crianças às famílias, por seis meses
Das quase 200 crianças e adolescentes que deixaram os abrigos, apenas 5% não deram certo e voltaram ou foram adotadas. As 40 crianças e adolescentes que ainda permanecem abrigadas não têm chance de retorno, pois não têm vínculos familiares.

PAIS DE PLANTÃO
Em Uberlândia, foi implantada também a “família acolhedora”, uma espécie de pai e mãe de plantão, que recebem crianças que antes teriam os abrigos como destino, acolhendo-as entre seis meses e um ano. Em alguns casos, dá tão certo que meninos e meninas acabam sendo adotados.


No Brasil, há 35 mil crianças e adolescentes vivendo em abrigos, segundo o promotor, que defende que a internação somente deve ser excepcional e temporária. “O Brasil inteiro adota a perspectiva de que o abrigo é definitivo e permanente, mas ele enfraquece os vínculos familiares. Se você tira uma criança dos pais, com o passar do tempo é como morrer um parente. Você chora por um tempo e depois começam a secar as lágrimas. E com o passar dos anos, esquece e começa a viver.

Quando a família percebe não ter forças para lutar pela volta daquela criança, por ser muito pobre, ela retrocede. E o que ela faz? Outro filho”, conta o promotor.


Jadir Cirqueira conta que em muitos abrigos há abusos sexuais e maus-tratos contra os jovens, abusos entre as próprias crianças e às vezes praticados por cuidadores. “Não peguei nenhum caso explícito envolvendo funcionários aqui em Uberlândia, apenas de maus-tratos”, disse. Com vários estudos na Europa e Estados Unidos sobre o assunto, prêmios conquistados e livros publicados, o promotor se dedicou à psicologia da criança e conclui que as que vivem em abrigos durante muito tempo perdem a capacidade cognitiva.


O representante do MP cita uma pesquisadora de Boston que fez ressonância magnética em 30 crianças que viviam em abrigos e em 30 que não viviam. “Ela percebeu que as abrigadas tiveram perda de 10% da massa cinzenta. Ou seja, perdem a capacidade no aprendizado, de relacionamento social, pois passam a viver em grupos, em bandos. Têm um banheiro coletivo, não interagem, não arrumam a cama e não podem nem escolher a roupa que vão usar. Há regras para tudo e uma formação religiosa muito forte, o que acaba impondo uma religião. No abrigo, você não tem a opção de dizer que não quer alguma coisa”, resume o promotor.

 

Para atar os laços
O Estado de Minas encerra hoje a série “À espera de um lar”, que desde domingo revela as angústias de quem já começa a vida sonhando com o carinho familiar.

A primeira reportagem mostrou que o apadrinhamento natalino é uma forma de diminuir a depressão e ansiedade dessas crianças e adolescentes. Na segunda-feira, o EM revelou que a separação pode também terminar com outro final feliz, com pais que perderam a guarda lutando para reconstituir o ambiente familiar. Na terça, o tema foi o desafio dos jovens que precisam deixar os abrigos ao atingir 18 anos. Ontem, a penúltima reportagem contou as histórias de crianças e adolescentes que foram adotados por seus padrinhos afetivos.

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