Os ruídos de ar comprimido vinham do acionamento do freio do ônibus. Olhando para trás, o para-choque azul se agigantava, aproximando-se rápido. A intenção do motorista, contudo, não era parar o coletivo da linha 1502 (Vista Alegre/Guarani), mas afugentar a bicicleta da equipe do Estado de Minas, que, cumprindo a jornada dos extremos Sul ao Norte de BH, pedalava pela pista da direita da Avenida Amazonas, no Barro Preto, Região Centro-Sul. Não satisfeito em acossar a “magrela”, o condutor do ônibus manobrou com velocidade, passou a menos de 20 centímetros da bicicleta, pela esquerda, e depois a fechou de forma gradual entrando à direita, obrigando o ciclista a subir no passeio para não ser atingido, na altura da Rua Timbiras. Essa manobra é uma amostra da animosidade que toma conta de condutores no trânsito da capital mineira, que se torna evidente para quem pedala cruzando a capital.
A atitude foi tão agressiva que não seria exagero interpretar o uso desproporcional de um ônibus para tirar uma bicicleta da pista como uma tentativa de homicídio. E não foi exceção: manobras tão perigosas quanto foram promovidas por carros, caminhões e outros coletivos na Amazonas, muitas acompanhadas de palavrões e ameaças. As buzinas, fechadas e agressões verbais disparadas por motoristas durante a passagem de bike pela região do Hipercentro de BH mostram que, para muitos, os ciclistas são ainda intrusos nas pistas. Porém, o Código de Trânsito Brasileiro (CTB) prevê que eles podem circular nos bordos da direita de qualquer via que não for dotada de ciclovia, ciclofaixa ou acostamento, desde que não se trate de rodovia ou via de trânsito rápido (estrada que só tem interseções por viadutos, trincheiras e travessias por passarelas).
O condutor da linha 1502, que jogou a bicicleta para fora da pista, fez mais do que circular de forma inadequada para um motorista profissional.
CENTRO DE RISCOS Da Avenida Afonso Pena ao Complexo da Lagoinha, no trajeto do Centro para o Norte da capital, as bicicletas mergulham em um trânsito caótico, que repetidas vezes ignora a sinalização. São veículos e pedestres cruzando os mesmos espaços das vias, homens de pastas nas mãos, mulheres com sacolas, estudantes com mochilas, vendedores ambulantes com seus carrinhos, religiosos pregando com Bíblias. Cada centímetro é disputado e as bicicletas ziguezagueiam entre corredores formados no entorno do obelisco da Praça 7, Cine Brasil e Rodoviária. Motoristas, sobretudo de táxis e ônibus, reclamam dessas atitudes, mas a ultrapassagem é permitida pelo CTB, que considera infração grave, pelo artigo 211, apenas “ultrapassar veículos em fila, parados em razão de sinal luminoso, cancela, bloqueio viário parcial ou qualquer outro obstáculo, com exceção dos veículos não motorizados”.
Na Avenida Presidente Antônio Carlos não há espaço exclusivo para as bicicletas circularem. Por isso, são comuns as fechadas de carros, ônibus e motos. Mas isso não inibe os ciclistas que se arriscam até nas pistas exclusivas do BRT/Move. O que se mostra muito perigoso, sobretudo porque os ônibus que transitam por lá desenvolvem altas velocidades e não preveem obstáculos à frente. No início da avenida, o ciclista que para nos semáforos fica apreensivo com o grande número de consumidores de drogas abrigados pelos pilares, muretas e estruturas de viadutos. No trecho final, palmeiras marcam o caminho das pistas tomadas por universitários com destino à UFMG e as passagens para o aeroporto da Pampulha e o Mineirão.
Passada a Lagoa da Pampulha, o ingresso na Avenida Dom Pedro I tem os mesmos percalços, mas, por ser um percurso em declive, é superado rapidamente. Já a entrada na Avenida Cristiano Machado é muito perigosa, pois o ciclista precisa atravessar as quatro faixas para pegar a pista da esquerda, que faz retorno para a Linha Verde. Por sorte, mais adiante dá para circular pelo acostamento.
Desafios até o fim da linha
Na Linha Verde, última via na travessia de Sul a Norte de BH, ciclistas inexperientes se sentem confusos pela falta de orientações. Usando os conceitos básicos, como seguir sempre no sentido do fluxo da via e usar as pistas locais em vez das expressas, a equipe de reportagem rodou por alguns quilômetros antes de perceber que havia uma ciclovia no sentido Centro. Mesmo pelos acostamentos da pista local, há perigo. Como os acesso laterais para os bairros são muito largos, exigem tempo para que o ciclista posso transpô-los. Mesmo sinalizando a travessia com os braços, motoristas em alta velocidade precisam frear e desviar quase em cima dos ciclistas. Toda essa velocidade e o adensamento da região contrastam com o ponto inicial da travessia, no Parque Estadual da Serra do Rola Moça, no extremo oposto de BH.
A visão da Cidade Administrativa Presidente Tancredo Neves é um alento, depois de 42 quilômetros de jornada. No complexo, crianças e adolescentes que moram por perto aproveitam para pedalar e conhecer mais dos edifícios concebidos por Oscar Niemeyer. “A gente não se arrisca a ir muito longe, porque a rodovia é muito perigosa. Estamos de férias e gostamos de ver as lagoas e os jardins daqui”, disse o estudante Gabriel Rodrigues, de 16. “Quando temos aula, rodamos só dentro do bairro.
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