Os amigos Rudney Castro, Daniele Oliveira e Victor Neiva, todos de 27 anos, já estão em Ilha Grande, no Rio de Janeiro, bem paramentados. Sábado, pouco antes de pegar a estrada, passaram numa loja na Feira dos Produtores, no Bairro Cidade Nova, Região Nordeste de BH, e garantiram o essencial da bagagem. Velas, essências para perfumar ou para oferendas, banhos, mel e incensos vão brindar a passagem de ano e dar as boas-vindas àqueles que vão reger 2015: Oxossi, o rei das matas, da caça e responsável pela abertura de caminhos. É, por isso, o mensageiro da prosperidade, e Oxum, a mãe das águas, dona do ouro e da beleza.
Para despertar a ira dos orixás, como é virada de ano, não se pode esquecer do símbolo dessa época – Iemanjá, a deusa da proteção. Para homenageá-la, os amigos foram orientados pela dona da loja Via Natural, Landy Tânia Moreira de Paula, a soltar no mar cesta ou barco com rosa branca, alfazema, espumante, espelho, vela azul claro ou branca. Nas oferendas para Oxum, não esquecer velas dourada, amarela e verde e de se vestir com pelo menos uma peça de roupa com essas cores.
Pesquisador do Centro de Estudos da Religião Pierre Sanches, da PUC Minas, o mestrando em ciências sociais Rudney Castro apelou para a superstição para brindar o ano novo. Ele será regido pelos mesmos orixás que estarão em alta em 2015. “Depois de começar a estudar o assunto, vi que há um sentimento que vai além da pura religião. É de religiosidade e supera a razão. Não sei como é, mas é mais eficaz. Às vezes, devemos passar pela experiência de oferecer algo a um ser superior, pois isso te modifica.”
A bancária Daniele diz ser espiritualista. Não segue uma linha única de fé, mas um pouco de tudo. Nas oferendas dela haverá espaço para Ogum. O São Jorge da Igreja Católica é responsável pela defesa: abre caminhos, afasta os inimigos e não deixa o mal chegar perto. Ela juntou a formação católica com outros ritos para construir a fé. “O ritual foi a forma que encontrei para conciliar a razão e transpor limites.”
Amigo dos dois, o sociólogo Victor Neiva não encara nada disso. Ele garante que nem mesmo as ondas do mar pulará. “Nunca fiz nada, porque não creio. Faço apenas minhas orações, apesar de ser um católico não praticante. Quando você não conhece e não crê, esses rituais não fazem sentido.”
Longe da religião, a administradora Luciana Ferraz, de 42, é adepta das simpatias. Garantir lentilha na ceia da família para ter sorte o ano inteiro é obrigatório. A essa crença, ela acrescenta outros. Na passagem para 2014, comeu sementes de romã para ter prosperidade: “Acho que algum efeito fez”. Este ano, será a vez das uvas. “Para alguns pode até ser bobagem, mas prefiro não deixar passar em branco.”
BANHOS No Mercado Central, o comerciante Luiz Carlos Dias espera incrementar a venda de ervas que fortalecem os desejos do ano novo. Segundo ele, é na última hora que os clientes lotam a loja atrás de plantas para banhos, que devem ser tomados do pescoço para baixo, nada na cabeça. Os que mais saem são o de descarrego (arruda, guiné e comigo-ninguém-pode), chama-dinheiro (com as plantas dinheiro em penca e dólar) e abre-caminho (todo feito com erva de mesmo nome).
Para quem deseja reforçar outras áreas, há opções como os banhos, mistura sagrada e catingas de mulata, que, apesar do nome, é um banho aromático de cheiro agradável, que serve para atrair homem – é também conhecido como cipó de mil homens. Incenso também tem boa saída. “Tudo isso vai muito da cabeça de quem está usando. Se a pessoa pensar positivo, dá certo. Mas, para que não acredita, não passa de um banho normal”, diz Luiz Carlos.
Já o comerciante Igor Ferreira da Silva, do Ponto das Ervas, não só vende como toma o banho da prosperidade. Para 2015, a placa anuncia o composto de folhas de pitanga, macela, canela, abre-caminho, guiné e manjericão. “Tomo para fluir melhor”, diz. Ele diz que ouve dos clientes todos os tipos de crendices, inclusive de quem garante que, se não tomar banho de mar na virada do ano, não terá sucesso. “Não adianta fazer por fazer. Tem que pôr fé. É pensamento positivo para romper o ano de novo.”